Acordei na madrugada com uma
puta câimbra na panturrilha... Levantei, tomei um Dorflex e enquanto fazia uma
visita ao banheiro percebi um louco, num acalorado auto diálogo, do outro lado
da rua.
Empunhando um microfone imaginário
e de frente para o poste com luz de mercúrio, ele, feito pastor pedindo dízimo,
berrava anunciando o fim do mundo:
“- Da outra
vez o mundo acabou em água, agora não, tudo acabará em fogo, e queimará todos
os pecadores e suas línguas venenosas, pois a língua é a única arma desses
fariseus, que imaginam serem os donos do mundo, mas, nada, nada entendem de
respeito ao próximo...”.
Após o discurso inflamado, mirando
o bar com as portas cerradas, ainda com o microfone imaginário em punho, caiu na
risada e cantou embriagadamente:
Apesar de cambaleante, e com dificuldades para
completar a letra da canção, ele até mandou bem, tanto no discurso de pastor
canalha quanto na letra do Raulzito... O louco repetiu por vezes sua ladainha e
sua cantoria desconexa, porém, sem plateia e não suportando o peso das próprias
pernas, ali mesmo deitou e apagou!
Os loucos de outros tempos (e
outros bares), também cascudos e avessos a aparelhos de barbear e banhos,
juravam a Terra ser redonda e, além da forma esférica, insistiam que ela
rodopiava, feito bailarina, em torno do sol... Outros, não menos insanos,
afirmavam veementemente que o sertão viraria mar e o mar viraria sertão... Alguns
psicopatas, geniais, tentavam nos confundir com suas filosofias 3D: “só sei que
nada sei”, ou, “ser ou não ser, eis a questão”!
O louco da noite me fez
lembrar que estamos carentes de loucos, mesmo sem banhos e águas de colônia... Carentes
de loucos que, além de comer gafanhotos, pensem por nós... Que atravessem a
madrugada estudando o movimento das estrelas... Que em noites desertas dancem e
cantem, ainda que desafinados... Que conversem com extraterrestres, interroguem
paredes e urinem no pé do poste... Que gritem,
nos seus microfones imaginários, que estamos à deriva, entregues aos que comandam
e se julgam poderosos, mas, nada sabem além de trinta dinheiros!
Sim, sou fã assumido dos
loucos... Mas estamos necessitados deles - meio órfãos dos loucos, de palavras
loucas... Dos loucos que nos remetam reflexões... De loucos que pintem abstratos com cores
vivas e nos ensinem o real sentido da vida!