Trifo apareceu na agência
bancária num começo de tarde, a segunda lua de fevereiro ainda nem tinha dado o
ar da graça.
Trifo era um indiozinho
aculturado, trajava uma camiseta do Corinthians, tinha uns
10 anos, não mais... Ao chegar disse estar “morrendo de sede” e aguardava a
Kombi da Funai para retornar à sua aldeia, na beira do Barra Grande.
Além da água e do café,
ofereci pão com manteiga... Faminto, devorou tudo rapidinho... Seu
contentamento indisfarçável foi o que sacramentou, naquele instante, nossa
amizade.
O pequeno guarani virou frequentador
assíduo daquele estabelecimento bancário... Não tinha conta corrente nem poupança,
mas tornou-se titular do nosso pãozinho com manteiga.
Curioso perguntava tudo, com
aquele sotaquezinho típico indígena, com dificuldades para pronunciar certas
palavras: peixe era pête, tartaruga era tataúga, jacaré era jacaé, João era
Jão, etc.
Mas foi a matemática quem
quase o tirou da escola, a ponto de fazê-lo chegar aos prantos, na minha mesa, falando
em largar tudo, por não conseguir resolver uma simples subtração de dois
algarismos.
- Português é mais
fácil que Matemática, né Jão? Afirmou o guarani.
-Não é não, Trifo...
Português é mais complicado! Retruquei!
- Não liga não Trifo, vou te
dar umas dicas e você vai ficar "fera" em Matemática... Ao ouvir isto seus olhos
brilharam!
Aplicado que era, rapidinho aprendeu a tabuada, depois as quatro operações básicas: adição, subtração,
multiplicação e divisão (com dois algarismos dentro da chave, inclusive!)...
Até teoria dos conjuntos o danado conseguiu captar! Uma vitória pra ele (e
pra mim também!).
Eis que ontem, mais de vinte
anos depois, ao refazer conexões no alto do poste, na aldeia Pinhalzinho dos
Índios, na cidade onde fui bancário, um jovem olha para o alto do poste e, ao
me reconhecer, começa dar pulos de alegria e contentamento:
- É o Jão... É o Jão... É o
Jão!
Pois é... Ali estava o
Trifo, o indiozinho corintiano do pão com manteiga, já adulto, mas com o mesmo
semblante curioso e sincero.
Perguntou da minha
vida e do balaio de taquaras que Dona Tula fez pra mim, e não conseguiu disfarçar a felicidade em me ver novamente (eu também!).
Falou de seus
projetos futuro... Disse que agora era o Chefe da Tribo e que esse ano termina o
Curso de Administração de Empresas... Disse, também, que tem
pretensão de galgar um posto administrativo na Funai.
Se bem o conheço, certamente,
conseguirá!
Antes que eu saísse me
ofereceu meia dúzia de cabotiás pra comer com “pête”.
Ao ligar a camionete acenei
me despedindo, Trifo encostou perto da janela do veículo e afirmou com
veemência:
- Português é mais difícil
que Matemática, né Jão?
Disfarcei um leve sorriso e
concordei!
A noite, pela janela do
quarto, ao mirar a terceira lua de janeiro, pensei nos grãos que a gente, sem
querer, semeia por aí, e que, boas sementes que são, germinam com tal grandeza
que acaba nos tornando seres humanos melhores, bem melhores!