O cadeirante Angelim, além de
sapateiro, era uma fabulosa “enciclopédia” humana... Fonte de nossas consultas didáticas.
Ele, criterioso, não resolvia nossas tarefas escolares: ensinava-nos como
fazer. Angelim foi, sem medo de errar, a pessoa da mais avançada cultura geral
que conheci... Com a mesma propriedade com que resolvia uma simples “regra de
três” interpretava as ideias de Gregório de Matos e discutia Mikhail Bakunin.
Tinha algumas manias o
Angelim... Extremamente organizado e metódico, os calçados de sua oficina eram
dispostos por tipo (botas com botas, botinas com botinas, sapatos com sapatos,
etc.), tudo etiquetado e identificado. Após o almoço quando retornávamos da
escola o observávamos cochilando, sobre sua cadeira, atrás de uma mesinha baixa cheia de tachinhas nas divisões,
invariavelmente, com um livro caído sobre o peito.
Minha amizade com o, bem-humorado, “mestre”
Angelim teve início em 72, quando pediu para que eu fosse, até a Farmácia Arruda,
buscar seu coquetel de remédios... Acometido por uma paralisia congênita nos
membros inferiores, cresceu sobre uma cadeira de rodas, pesadíssima, aliás. Aquela
cadeira parecia uma extensão do seu corpo, tal era sua destreza com o
equipamento... Parecia levitar sobre
rodas.
Fumante inveterado, respirava com dificuldades, era hipertenso e tinha problemas circulatórios. Sua condição orgânica nunca limitou o exercício de sua profissão; era o melhor sapateiro da cidade.
Jamais reclamou de suas limitações, ao contrário, apoiava-se em Deus e afirmava que a sua vida já era um presente do Criador.
Produtivo, competente e independente era avesso ao uso dos benefícios sociais disponíveis... Era, terminantemente, contra aposentar-se com "saúde".
Fumante inveterado, respirava com dificuldades, era hipertenso e tinha problemas circulatórios. Sua condição orgânica nunca limitou o exercício de sua profissão; era o melhor sapateiro da cidade.
Jamais reclamou de suas limitações, ao contrário, apoiava-se em Deus e afirmava que a sua vida já era um presente do Criador.
Produtivo, competente e independente era avesso ao uso dos benefícios sociais disponíveis... Era, terminantemente, contra aposentar-se com "saúde".
A escola onde estudávamos (Virgínia Ramalho) realizava anualmente uma gincana inter-séries, chamada: “Gincana do
Conhecimento”. Os desafios, além de algumas tarefas filantrópicas, era levar
uma pessoa da comunidade para responder perguntas de cultura geral. Naquele ano
convidamos o Angelim para nos ajudar. Reticente e desconfiado ele titubeou, mas, acabou por
aceitar nosso convite (na verdade foi uma intimação!). Entre médicos, advogados e outros profissionais liberais, Angelim deu um verdadeiro “show” de
conhecimento, acertando todas as 50 perguntas do questionário apresentado. Colocou
18 pontos de vantagem sobre o segundo colocado. E pensar
que quando entramos na sala da prova, empurrando sua barulhenta cadeira de
rodas, percebemos um quê de desprezo e olhares jocosos atirados na direção do nosso mestre.
No ano seguinte Angelim despediu-se da vida, serenamente, e da maneira que mais gostava: com um livro semiaberto
no peito. Durante seu cochilo vespertino, “Seu” Angelim, seguiu a viagem definitiva... Deus o
chamou, havia uma vaga de anjo no céu!
Hoje Angelim deve estar levitando
no Paraíso... O único lugar onde, as cadeiras de rodas são desnecessárias, os
sorrisos são doces e os olhares não discriminam, ao contrário, acalentam!
Mais uma fantástica passagem!!! A riqueza de palavras que usa para designar e descrever é fantástica. O eufemismo para morte foi digno de fascínio "vaga de anjo". Gosto muito de ler suas crônicas.
ResponderExcluirAngelim sapateiro,
ResponderExcluirDe quem vc foi lembrar Marreco! Esse era fodástico mesmo.
Eu era péssimo em "Frações", ele fez um círculo, com giz, no balcão, dividiu em 8 partes feito uma pizza, e perguntou se eu comesse 3 fatias como ficaria a representação fracionária! KKK, Daí eu comecei entender a lógica dos números racionais! Era, seguramente, a figura mais brilhante que tivemos contato, realmente. Pode ter virado anjo mesmo>
Reginaldo Minucci
Eu sou de um"pouquinho" antes e nessa mesma rua,na esquina com a Pedro de Toledo o sapateiro era sr. Júlio.Mas nem me atrevo a descreve-lo depois desta sua linda crônica.Tivemos em Ourinhos sapateiros maravilhosos,mas nenhum,creio,tão bom em matemática como o seu herói Angelim.
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