A vizinha da casa da
esquina, já com sua mudança em cima do caminhão, bradava com seu vira- latas:
-
Você não vai Duque, seu imprestável!
Gritou outras palavras ofensivas, atirou
algumas pedras, montou no caminhão e partiu... O vira-latas ainda tentou
acompanhar o Chevrolet, em disparada, por dois ou três quarteirões, porém, deficiente
e encoberto pela poeira desistiu, nem pode ver o caminhão desaparecer quando dobrou a esquina da Avenida Jacinto Sá.
Duque permaneceu ali, imóvel,
por alguns segundos, depois retornou cabisbaixo para sua ex casa, já com os
portões cadeados.
No dia seguinte, ao voltar
do Grupinho, escola em que eu estudava, percebi Duque ainda deitado, recostado no portão cadeado, olhar
perdido. Estalei os dedos, ele ergueu as orelhas e abanou o rabo, me
acompanhando até meu quintal. Naquele instante troquei um resto de comida e um
pouco d’água por uma amizade que perduraria por dez anos!
Que cão fantástico era o
Duque – dócil, inteligente, amoroso, companheiro e, apesar de coxo, ligeiro e
saltitante.
O cão “imprestável” me
esperava todos os dias na frente da escola, me acompanhava nas pescarias e nas
caçadas, Duque tinha, além de tudo, sinceridade no olhar, era um grande
guardião, apesar de latir pouco.
Além de coxear, e não ter
medo de foguetes ou rojões, Duque tinha outras manias e vícios: uivar pra lua, comer
abacates e, antes de deitar, costumava dar três voltas no entorno do seu tapete,
todas as noites, rigorosamente.
Um cão vegetariano e com transtorno
obsessivo compulsivo, só o Duque mesmo!
Num final de um ano qualquer
reapareceu por aqui a antiga dona do Duque... Sinceramente não lembro o nome
daquela criatura desprezível... Ao notar sua presença, Duque permaneceu estático, deitado
em seu tapete, feito a Esfinge, nem latiu nem rosnou, simplesmente descansou a
mandíbula sobre a solitária pata dianteira, fechou os olhos e a ignorou!
Infelizmente meu Duque
envelheceu, paulatinamente foi perdendo o reflexo e a mobilidade. Por fim Duque só conseguia lamber suas três patas, queria entrar no céu com os pés limpos, acredito!
E numa noite
fria de agosto, Duque caminhou até seu tapete, não deu três voltas nem uivou, apenas
deitou e descansou.
Ainda hoje, nas noites de
lua, ouço seus passos mancos na calçada, abro a janela e vejo apenas sua alma, soberana, guardando meu portão!