A apaixonante Professora
Luzia (Donalou) me disse certa vez que, todos nós, deveríamos ler mais, nem que
seja um gibi da Mônica e do Cebolinha.
Sempre gostei de leituras
curtas, tipo: poesias, comentários, opiniões, crônicas, etc. Gosto, também, de
autores com linguagem simples, sem termos rebuscados e palavras
“estroboscópicas”.
Iniciei lendo, e adorava ler,
crônicas no jornal O Estado de São Paulo (Estadão), que eu ganhava do senhor
Humberto, dono de um boteco, perto da minha casa, há mais de 30 anos. Tá certo
que o jornal era do dia anterior, mesmo assim: - Valeu, Senhor Humberto!
Pois bem, o hábito da
leitura nos seduz e, às vezes, nos faz pensar que sabemos escrever, também.
Diante disso, arriscamos e riscamos no papel algumas de nossas idéias, nossas
metáforas e nossas prosopopeias.
Meus textos carregam lá suas
limitações, mas bom gosto eu tenho, e para provar, vou reproduzir as CINCO
MELHORES CRÔNICAS DE TODOS OS TEMPOS. São cinco autores diferentes, porém, com
textos simples e adoráveis. Vale lembrar que a transcrição dos textos obedeceram a grafia original, com a ortografia da época. Quem sabe após a leitura você, também, coloque o
bico da caneta no papel e inicie essa deliciosa caminhada.
Preparados? Tomem então meu
“TOP FIVE”:
ANTES QUE ELES CRESÇAM - Affonso Romano de Sant'Anna
“Há um período em que os
pais vão ficando órfãos de seus próprios filhos.
É que as crianças crescem independentes de nós, como árvores tagarelas e
pássaros estabanados.
Crescem sem pedir licença à vida.
Crescem com uma estridência alegre e, às vezes com alardeada arrogância.
Mas não crescem todos os dias, de igual maneira, crescem de repente.
Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maneira que
você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu?
Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e
o primeiro uniforme do maternal?
A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência
civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas
cresça, mas apareça...
Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes e
cabelos longos, soltos.
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com
uniforme de sua geração.
Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos,
das colheitas, das notícias, e da ditadura das horas.
E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e
erros.
Principalmente com os erros que esperamos que não se repitam.
Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos filhos.
Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e das festas.
Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô.
Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas.
Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvirmos sua alma
respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os
adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, posters, agendas
coloridas e discos ensurdecedores.
Não os levamos suficientemente ao Playcenter, ao shopping, não lhes demos
suficientes hamburgueres e refrigerantes, não lhes compramos todos os sorvetes
e roupas que gostaríamos de ter comprado.
Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.
No princípio iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos,
natais, páscoas, piscinas e amiguinhos.
Sim havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de chicletes
e cantorias sem fim.
Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um
sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados.
Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram,
mas, de repente, morriam de saudades daquelas "pestes".
Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito
para que eles acertem nas escolhas em busca da felicidade.
E que a conquistem do modo mais completo possível.
O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos.
O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos
e que não pode morrer conosco.
Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho.
Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto. Por isso é
necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.” http://www.youtube.com/watch?v=tdClVu52qWs
O PADEIRO – RUBEM
BRAGA
“Levanto
cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a
porta do apartamento - mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me
lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da véspera sobre a "greve do
pão dormido". De resto não é bem uma greve, é um lock-out, greve dos
patrões, que suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar
seu café da manhã com pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo.
Está
bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. Enquanto tomo
café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha
deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não
incomodar os moradores, avisava gritando:
-
Não é ninguém, é o padeiro!
Interroguei-o
uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo?
"Então
você não é ninguém?"
Ele
abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes
lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada
ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando
quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é
ninguém, não, senhora, é o padeiro". Assim ficara sabendo que não era
ninguém...
Ele
me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis
detê-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos
importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho
noturno. Era pela madrugada que deixava a redação de jornal, quase sempre
depois de uma passagem pela oficina - e muitas vezes saía já levando na mão um
dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como o
pão saído do forno.
Ah,
eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante
porque no jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu
escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o
pão estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu
recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos
alegre; "não é ninguém, é o padeiro!"
E
assobiava pelas escadas.”
OLHA O BUCHEIROOOOO!
– ALCIR CHIARI
“Passava um pouco das quatro horas da
manhã e além do galo do vizinho cantando e anunciando que continuava mandando
no galinheiro, também se ouvia a chegada do padeiro com sua charrete.
O barulho das rodas, com raios de
madeira e um arco de ferro à sua volta, somado às batidas das ferraduras,
fixadas nas quatro patas do cavalo, contra o calçamento de pedra rompiam o
silêncio da madrugada.O pão era deixado no parapeito da janela ou na soleira da
porta das casas que faziam parte da freguesia.
O mesmo cenário era repetido uma hora
depois pelo leiteiro que deixava sua encomenda em garrafas de vidro
transparente de boca larga ou comuns de cerveja ou refrigerante.Ninguém tocava
ou furtava nada, e no amanhecer, o cliente sonolento e sorrindo pegava suas
encomendas agradecido pela prestação de serviços de ambos, que só receberiam
pelos mesmos no final do mês.
Mais um dia de trabalho estava
começando, e as fábricas anunciavam mais um início de jornada através de seu
apito.
As mulheres, normalmente do lar,
ficavam a cuidar da casa e dos filhos com a missão de preparar as refeições com
tão pouco dinheiro.Gente simples e pobre ficava a espreita da salvação, que
chegava próximo das quatro horas da tarde, o bucheiro!
Além do barulho de sua charrete, que
lembrava a do padeiro e do leiteiro, ainda tocava sua tradicional e
inconfundível corneta e, aos gritos chamava a freguesia:
·
Olha o bucheirooooo!
Acompanhando a charrete com o
bagageiro de zinco, um cortejo de cães e gatos, atraídos pelo odor e na
expectativa que lhes fossem atirados algumas sobras.
O bucheiro vendia miúdos de bovinos e
suínos: - fígados, línguas, corações, buchos, rabadas e rins.
A freguesa por sua vez, com poucos
centavos e muita exigência, adquiria os miúdos e transformava com criatividade
tudo em um verdadeiro banquete.
A vida seguia calma, lenta e feliz.
O tempo passou!
O padeiro e o leiteiro não rompem mais
o silêncio da madrugada com suas charretes barulhentas, tampouco passa o
bucheiro no período da tarde vendendo miúdos baratos.
Desse
tempo, sobraram apenas lembranças na memória de quem vivenciou.
A única recordação material está
pregada atrás da porta da cozinha para espantar o mau olhado e trazer a boa
sorte:
- A ferradura de uma das patas do
cavalo do bucheiro!”
HERÓI.
MORTO. NÓS. - Lourenço Diaféria
“Não me venham com besteiras
de dizer que herói não existe. Passei metade do dia imaginando uma palavra
menos desgastada para definir o gesto desse sargento Sílvio, que pulou no poço
das ariranhas, para salvar o garoto de catorze anos, que estava sendo dilacerado
pelos bichos.
O garoto está salvo. O sargento morreu e está sendo enterrado em sua terra.
Que nome devo dar a esse homem?
Escrevo com todas as letras: o sargento Silvio é um herói. Se não morreu na
guerra, se não disparou nenhum tiro, se não foi enforcado, tanto melhor.
Podem me explicar que esse tipo de heroísmo é resultado de uma total
inconsciência do perigo. Pois quero que se lixem as explicações. Para mim, o
herói -como o santo- é aquele que vive sua vida até as últimas consequências.
O herói redime a humanidade à deriva.
Esse sargento Silvio podia estar vivo da silva com seus quatro filhos e sua
mulher. Acabaria capitão, major.
Está morto.
Um belíssimo sargento morto.
E todavia.
Todavia eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento herói ao duque de
Caxias.
O duque de Caxias é um homem a cavalo reduzido a uma estátua. Aquela espada que
o duque ergue ao ar aqui na Praça Princesa Isabel -onde se reúnem os ciganos e
as pombas do entardecer- oxidou-se no coração do povo. O povo está cansado de
espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal. Ao povo desgosta o
herói de bronze, irretocável e irretorquível, como as enfadonhas lições
repetidas por cansadas professoras que não acreditam no que mandam decorar.
O povo quer o herói sargento que seja como ele: povo. Um sargento que dê as
mãos aos filhos e à mulher, e passeie incógnito e desfardado, sem divisas,
entre seus irmãos.
No instante em que o sargento -apesar do grito de perigo e de alerta de sua
mulher- salta no fosso das simpáticas e ferozes ariranhas, para salvar da morte
o garoto que não era seu, ele está ensinando a este país, de heróis estáticos e
fundidos em metal, que todos somos responsáveis pelos espinhos que machucam o
couro de todos.
Esse sargento não é do grupo do cambalacho.
Esse sargento não pensou se, para ser honesto para consigo mesmo, um cidadão
deve ser civil ou militar. Duvido, e faço pouco, que esse pobre sargento morto
fez revoluções de bar, na base do uísque e da farolagem, e duvido que em algum
instante ele imaginou que apareceria na primeira página dos jornais.
É apenas um homem que -como disse quando pressentiu as suas últimas quarenta e
oito horas, quando pressentiu o roteiro de sua última viagem- não podia
permanecer insensível diante de uma criança sem defesa.
O povo prefere esses heróis: de carne e sangue.
Mas, como sempre, o herói é reconhecido depois, muito depois. Tarde demais.
É isso, sargento: nestes tempos cruéis e embotados, a gente não teve o instante
de te reconhecer entre o povo. A gente não distinguiu teu rosto na multidão.
Éramos irmãos, e só descobrimos isso agora, quando o sangue verte, e quanto te
enterramos. O herói e o santo é o que derrama seu sangue. Esse é o preço que
deles cobramos.
Podíamos ter estendido nossas mãos e te arrancando do fosso das ariranhas -como
você tirou o menino de catorze anos- mas queríamos que alguém fizesse o gesto
de solidariedade em nosso lugar.
Sempre é assim: o herói e o santo é o que estende as mãos.
E este é o nosso grande remorso: o de fazer as coisas urgentes e inadiáveis
-tarde demais.”
EXIGÊNCIAS DA VIDA MODERNA – LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
“Dizem que todos os dias você deve comer
uma maçã por causa do ferro.
E uma banana pelo potássio. E também uma laranja pela vitamina C. Uma xícara de
chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.
Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água. E uriná-los, o que
consome o dobro do tempo.
Todos os dias deve-se tomar um Yakult pelos lactobacilos (que ninguém sabe bem
o que é, mas que aos bilhões, ajudam a digestão). Cada dia uma Aspirina,
previne infarto. Uma taça de vinho tinto também. Uma de vinho branco estabiliza
o sistema nervoso. Um copo de cerveja, para... não lembro bem para o que, mas
faz bem. O benefício adicional é que se você tomar tudo isso ao mesmo tempo e
tiver um derrame, nem vai perceber.
Todos os dias deve-se comer fibra. Muita, muitíssima fibra. Fibra suficiente
para fazer um pulôver.
Você deve fazer entre quatro e seis refeições leves diariamente. E nunca se
esqueça de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada. Só para comer, serão
cerca de cinco horas do dia...
E não esqueça de escovar os dentes depois de comer. Ou seja, você tem que
escovar os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e
enquanto tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, escovar a língua
e bochechar com Plax. Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para
colocar um equipamento de som, porque entre a água, a fibra e os dentes, você
vai passar ali várias horas por dia.
Há que se dormir oito horas por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as
cinco comendo são vinte e uma.
Sobram três, desde que você não pegue trânsito. As estatísticas comprovam que
assistimos três horas de TV por dia. Menos você, porque todos os dias você vai
caminhar ao menos meia hora (por experiência própria, após quinze minutos dê
meia volta e comece a voltar, ou a meia hora vira uma).
E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas
diariamente, o que me faz pensar em quem vai cuidar delas quando eu estiver
viajando.
Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para
comparar as informações.
Ah! E o sexo! Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina. Há que
ser criativo, inovador para renovar a sedução. Isso leva tempo - e nem estou
falando de sexo tântrico.
Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero
que você não tenha um bichinho de estimação. Na minha conta são 29 horas por
dia.
A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo tempo! Por
exemplo, tomar banho frio com a boca aberta, assim você toma água e escova os
dentes. Chame os amigos junto com os seus pais. Beba o vinho, coma a maçã e a
banana junto com a sua mulher... na sua cama.
Ainda bem que somos crescidinhos, senão ainda teria um Danoninho e se sobrarem
5 minutos, uma colherada de leite de magnésio.
Agora tenho que ir.
É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da maçã,
tenho que ir ao banheiro.
E já que vou, levo um jornal... Tchau!
Viva a vida com bom humor!!!”