quarta-feira, 20 de agosto de 2014

A MENINA E O LEITE DE ROSAS

Das irmãs foi a primeira a, sozinha, enfrentar o mundão e batalhar seu sustento. Desembarcou em São Paulo no momento em que o sol se escondia por detrás dos prédios... Assustou-se no momento em que desembarcou na Estação Júlio Prestes... O dinheiro, contado, duraria no máximo três dias e era só pra alimentação! O difícil seria ignorar as vitrines multicoloridas e sedutoras.

Ali estava, miúda, escondida debaixo de seus caracoizinhos loiros, com medo do incerto, pouco dinheiro e uma puta vontade de acertar.

E acertou! No segundo dia já estava empregada, no final do terceiro mês já era chefe de departamento. As vitrines com luzes de neon agora eram acessíveis! 

Casou-se tão logo terminou de ouvir o LP do Belchior... A semelhança física do artista com o namorado sugestionou sonhos filosofais e embarcou na letra da canção:

 “... Meu bem, o mundo inteiro está naquela estrada ali em frente. Tome um refrigerante, coma um cachorro quente. Sim, já é outra viagem e o meu coração selvagem... Tem essa pressa de viver... ”

Pressa de viver, bem isso... Teve que abandonar a vida profissional para cuidar das filhas, porém, a viagem matrimonial, após anos, não suportou as turbulências, momento de buscar outras batalhas e, quem sabe, outros amores - menos incertos.

Ela não fez outra coisa na vida a não ser lutar... lutar... lutar! Acertou muitas vezes, errou outras tantas, porém, jamais poderemos criticá-la, afinal, todos erramos (primeira pessoa do plural), portanto, sem julgamentos pessoais!

O que fica pra mim, Dóris, é sua imensa disposição de ir à luta – de não se entregar facilmente!

O que marca pra mim, Dóris, é sua imparcialidade diante de erros e preferências alheias:  - “Deixe cada um ser feliz do seu jeito” – essa sua frase é muito forte e abrangente.

Ainda hoje me envergonho do dia em que, quando estudávamos na 6ª série, no Caló, tirei você no “amigo secreto” do final do ano... Sem dinheiro, encontrei um frasco de “Leite de Rosas” no lixo, enchi com água, embrulhei pra presente e te entreguei no dia da revelação! 

Hoje te peço perdão... Definitivamente eu não tinha recursos – única forma que encontrei para te presentear... Hoje eu te daria um estojo completo com lavandas do Boticário, pode apostar!

Sei que, no instante em que ler isto, suas lágrimas cairão, uma a uma, e acredite, estarei torcendo por você, pois, se bem te conheço, tu estarás em algum canto do mundo, lutando, em busca da felicidade! 


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

AS NOITES COM MEU PAI

- Hoje faz quatorze anos que meu pai partiu definitivamente... Flávia disse isto na hora do jantar, também contou que esteve, na parte da tarde, no barracão da Prefeitura - último lugar em que o pai trabalhou... Completou que, apesar da saudade, ficou feliz por ter ido lá, e que, naquele instante, sentiu a presença do pai.

Suspirou novamente e, enquanto bebericava um copo de chá verde, se lembrou do tempo em que o pai fazia a contabilidade da empresa de transportes do avô e do tempo em que ele prestava serviços para outros contabilistas da cidade... 

Afirmou que ele era um grande datilógrafo e que as “Remington’s” adoravam sentir a suavidade e velocidade de seus dedos - ele as tratava como um pianista trata seu piano - com amor!

Visivelmente emocionada disse que o pai sempre fez tudo pra ela e que ela sempre o teve como um ídolo... Disse ainda que, sabendo da insônia crônica que o pai sofria, por muitas noites caminhou de mãos dadas com ele, enquanto a cidade dormia indiferente. Naquelas noites, atenta, escutava as estórias do pai enquanto os guardas-noturnos riscavam a madrugada com seus apitos de alerta.

Após estas afirmações, parou por um instante e perguntou:

- João, será que meu pai sentiria orgulho em me ver dirigindo um carro da Sanepar?

- Será que, além disso, estaria grudado com meus filhos passeando por aí?

- Tenho certeza que sim – respondi de pronto, Toninho sentiria orgulho de você em qualquer circunstância!

Ela disfarçou um leve sorriso e, certamente, seguiu lembrando o chapelão e a capa preta com a qual seu pai flanava, ao seu lado, nas noites platinenses, tendo como testemunhas, apenas, as estrelas do céu!



quarta-feira, 13 de agosto de 2014

O MILAGRE DE SÃO DOMINGOS

O temporal daquela tarde de oito de agosto, dia de São Domingos, tinha sido severo: derrubou árvores, pontes e fez o Rio Pardo transbordar, porém, o jovem José, na condição de Festeiro da capela de São Domingos, avisa aos pais, Zico e Gabriela, que estava indo para lá pra preparar tudo e que sua irmã Helena, a qual não desgrudava, ia também.

Arreou a carroça e quando já saía ouviu dona Gabriela gritar do portão:

- Cuida da Helena!

 - Pode deixar - respondeu José – e seguiram rumo ao São Domingos.

Passava das seis da tarde e o céu, ainda carrancudo, fez com que o manto da noite cobrisse, rapidamente, aquela estrada toda enlameada, mas, seguiram mesmo assim... felizes!

Quando já tinham rodado uns três quilômetros perceberam que as luzes de Santa Cruz iam ficando pra trás... Em seguida visualizaram um clarão, intenso, vindo ao longe... Pensaram se tratar de algum carro... Mas, à medida que apressavam a toada, mais a luz se aproximava, com mais intensidade ainda, fazendo movimentos de zigue-zague.

Eis que, feito um raio, a luz misteriosa para, por uma fração de segundos, e explode na frente do Ligeiro... Ele se assusta, empina, quebra os braços da carroça e desaparece no meio do mato... A carroçinha tomba para o lado machucando a mão e o rosto da menina Helena, que chora desesperadamente... Enquanto José tenta acalmá-la, outras pessoas, que iam para a festa, vão parando para socorrê-los. Parou para prestar socorro, entre outros, o senhor João Alexandre Pereira que levava consigo, seu filho, Octacílio Pereira um rapazote com o qual a menina Helena, por tempos, vinha trocando olhares nas missas dominicais.

Antes de retornarem alguém avisa em voz alta:

- Melhor cancelarem a festa... A chuva fez um buraco monstruoso no meio da estrada!

José caminhou até o buraco e vendo o tamanho do abismo que a chuva criou, olhou para o céu e agradeceu a Deus e São Domingos... Ficou a certeza de que aquela “luz” foi um sinal de salvação.

Naquela noite assustadora, São Domingos operou dois milagres: Salvou a vida dos irmãos e, também, colocou o jovem Octacílio na vida da menina Helena... O resto da história é a fantástica família que construíram juntos.


Hoje ao completar 90 anos, mando um beijo carinhoso no coração da menina Helena, além de irmã, uma grande amiga do nosso pai - José.  Não esquecendo, também, que sua vida linda é fruto de um milagre de São Domingos!