sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

OLHARES E VULCÕES


Permissivo aceito me queimar com o fogo da minha rainha de paus Então viro o tabuleiro
Minha vez de mexer as pedras
Assumo o comando, mando
Mordo sua jugular em câmera-lenta
Desço montanhas, me escondo em seu umbigo alagado
Suor que embriaga - meio doce, meio sal

Aumenta o calor – fogo intenso
Em queda livre o paraquedas chega à caverna
Pelos pelos experimento seus sais
Beija-flor - beija a flor agridoce
Hora e meia de mel e céu, que céu!

Entrada triunfal!
Meu punhal degusta o calor do suco da fruta vermelha
Carrosséis giram - cavalos flutuam - cidade em chamas
O vulcão borbulha, ferve, treme, explode
Palavras desconexas, dicionário proibido
Uivos, gemidos, fluídos – fluímos

Olhos fechados... Agora... Tatear, tatear
As extremidades digitais arrepiam em seus poros
O mar acalma, o pulso diminui, toada leve
O sol retoma seu eixo
Termômetros assentam à sombra suave
Ainda ofegantes trocamos olhares, só olhares!


domingo, 22 de dezembro de 2013

O CÃO IMPRESTÁVEL

A vizinha da casa da esquina, já com sua mudança em cima do caminhão, bradava com seu vira- latas: 

- Você não vai Duque, seu imprestável! 

Gritou outras palavras ofensivas, atirou algumas pedras, montou no caminhão e partiu... O vira-latas ainda tentou acompanhar o Chevrolet, em disparada, por dois ou três quarteirões, porém, deficiente e encoberto pela poeira desistiu, nem pode ver o caminhão desaparecer quando dobrou a esquina da Avenida Jacinto Sá.

Duque permaneceu ali, imóvel, por alguns segundos, depois retornou cabisbaixo para sua ex casa, já com os portões cadeados.

No dia seguinte, ao voltar do Grupinho, escola em que eu estudava, percebi Duque ainda deitado, recostado no portão cadeado, olhar perdido. Estalei os dedos, ele ergueu as orelhas e abanou o rabo, me acompanhando até meu quintal. Naquele instante troquei um resto de comida e um pouco d’água por uma amizade que perduraria por dez anos!

Que cão fantástico era o Duque – dócil, inteligente, amoroso, companheiro e, apesar de coxo, ligeiro e saltitante.

O cão “imprestável” me esperava todos os dias na frente da escola, me acompanhava nas pescarias e nas caçadas, Duque tinha, além de tudo, sinceridade no olhar, era um grande guardião, apesar de latir pouco.

Além de coxear, e não ter medo de foguetes ou rojões, Duque tinha outras manias e vícios: uivar pra lua, comer abacates e, antes de deitar, costumava dar três voltas no entorno do seu tapete, todas as noites, rigorosamente.

Um cão vegetariano e com transtorno obsessivo compulsivo, só o Duque mesmo!

Num final de um ano qualquer reapareceu por aqui a antiga dona do Duque... Sinceramente não lembro o nome daquela criatura desprezível... Ao notar sua presença, Duque permaneceu estático, deitado em seu tapete, feito a Esfinge, nem latiu nem rosnou, simplesmente descansou a mandíbula sobre a solitária pata dianteira, fechou os olhos e a ignorou!

Infelizmente meu Duque envelheceu, paulatinamente foi perdendo o reflexo e a mobilidade. Por fim Duque só conseguia lamber suas três patas, queria entrar no céu com os pés limpos, acredito!

E numa noite fria de agosto, Duque caminhou até seu tapete, não deu três voltas nem uivou, apenas deitou e descansou.

Ainda hoje, nas noites de lua, ouço seus passos mancos na calçada, abro a janela e vejo apenas sua alma, soberana, guardando meu portão!


segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O DIA DA VITÓRIA

Voltávamos do Virgínia Ramalho (Grupinho) brincando.
Estilingues dependurados no pescoço, embornal a tiracolo, pedras atiradas nos pássaros e nas casinhas de marimbondos... Todos descalços, pés sujos e sem a tampa do dedão - todos ligeiros.

As lições de casa eram respondidas em grupo, na sombra da ingazeira que ali existia, na esquina da Narciso Migliari com a Barão do Rio Branco... Compartilhávamos o mesmo lápis, a mesma borracha, a mesma tabuada, os mesmos sonhos.

Vivíamos uma infância feliz, mas, carente de pão... Ninguém de nós tinha nome, só apelido: Marreco, Carroça, Barbante, Galegão, Beronha.

O sonho? Imaginávamos a chance de tornarmos jogadores de futebol... Talvez jogar no Palmeiras, Corinthians ou União da Barra Funda! 

Ao amanhecer chutamos os sonhos fora, a realidade bateu na nossa porta no exato momento que fizemos nossa carteira de trabalho, mudamos os planos e dependuramos as chuteiras!

Crescemos como crescem os galhos da ingazeira, cada um apontou para um lado... A busca por horizontes separaram nossos caminhos... Seguimos, cada qual com seu estilingue e seu projeto de vida possível. Como as ingazeiras não vergam à qualquer sopro, resistimos aos ventos. 

O dia da minha vitória chegou no instante em que apresentei meu TCC... Com direito à entrada triunfal adentrei o salão de cerimônias sob aplausos, então, olhei para trás e revi o filme da minha vida... o que era sonho virou realidade... Me fiz ganhador... Me percebi invencível!

Hoje, percebo que temos nome e sobrenome, percebo também, nossos pés calçados e aquecidos... Nossos planos de saúde tem até cobertura para tampa de dedão... Sem julgamento de valores, ou da quantidade de bens adquiridos, chegamos à fase da vida em que podemos sentar e rir dos tempos escassos, dos pés sujos e das pombas abatidas à pelotadas!

Frações, equações e logaritmos: Só não entendemos a insistência do professor Matsumoto em ensinar isto, nunca usamos nem vamos usar - temos preferência por ilusões, poesia e batata frita!



terça-feira, 10 de dezembro de 2013

PAPAI NOEL EXISTE?

Fila pra comprar, fila pra pagar, fila pra pegar os presentes, fila pra validar os tickets... Feito gado seguimos em fila, atravessando dezembros.

Os óculos, sem lentes, descansam desalinhados sobre o nariz... Não só os óculos são “de mentirinha”, esse ser escrotal também é... Esperei-o por vários Natais, e esse sujeito fantasiado de vermelho jamais me deixou um presente sequer, uma caneta que fosse!

Neste instante, aqui da fila, o observo percorrendo todos os cantos da loja, com o mesmo sorriso falso, tilintando um sino de mão, sendo conduzido por imaginários antílopes - as renas de quarenta e tantos anos atrás... Ainda traz, além do sorriso inventado, a mesma protuberância abdominal, também postiça!

Você é um todo de mentiras, Papai Noel! Os flocos de neve sobre sua carruagem não passam de chumaços de algodão barato... Esse seu “ho ho ho” me soa insuportável.

Nos bilhetes que lhe escrevi, a grafite, não lhe pedi nada muito caro: bicicleta, tênis importado, autorama ou bola de capotão... Meus pedidos nem eram pra mim... Eu queria, apenas, um panetone, para comer com minha mãe, na noite de Natal... Eu queria um ‘Conga’ que não fosse furado... Você não imagina quantas palmilhas de papelão tive que improvisar para não pisar no chão frio e nas pedras. 

Por tempos evitei dobrar meu tornozelo ao andar, não queria que, ao mostrar a sola do pé, “zuassem” meu Conga furado... Eu andava feito um pato, daí ganhei meu apelido: Marreco!

Seu desprezo pelos engraxates, feito eu, jamais esquecerei, covarde! Essas balas que hoje distribui são as mesmas que me negaste, na porta da Loja Buri, em 1972. No fundo, penso que minha caixa de engraxar era muito pesada para a sua falta de sensibilidade!

E não me venha com esse papo de que não recebeu meus bilhetes... Eternizei a lápis, dentro de minha memória, cada pedido meu, e você, alheio, ignorou.

Não acredito em você, Papai Noel, não passas de uma figura caricata, contratada para vender ilusões aos aristocratas. Você é a mais desprezível figura da gananciosa sociedade.

Ainda bem que seu desprezo não conseguiu apagar de mim o significado do Natal, do nascimento de Jesus, nem me fez perder a fé e a esperança na vida!

- CPF na nota? Pergunta a moça do caixa... Balanço a cabeça negativamente, pego meus pacotes e vou saindo... Na porta o mentiroso me oferece balas, viro o rosto para o lado, e ignoro!


domingo, 8 de dezembro de 2013

SABORES DE UM VERÃO

Perdi muito tempo da vida pensando em ficar rico...

Queria, como eu queria, ser dono da metade do mundo, fumar o cigarro da propaganda mais interessante e radical, ter um super carrão - preferencialmente Mustang, necessariamente vermelho.

Queria roupas das melhores grifes, caríssimos sapatos de verniz, enfim, vestir e exalar Paco Rabanne.

Não juntei metais, nem me tornei playboy... Apesar de vermelho, meu carro não tem o símbolo do cavalo selvagem pregado na grade do radiador... Meus panos, quase todos, trazem consigo um carnê com a inscrição: ‘crediário tentação’... Não que eu use desodorante ‘Avanço’, mas meus cheiros não custam mais que cinquenta reais, não custam!

Perdi muito tempo de minha vida sem a devida atenção nas flores, no voo dos pássaros, no vento soprando no rosto e no lado em que o sol nascia... No balcão de frutas queria a mais cara manzana argentina, sendo que, na estrada havia uma dulcíssima manga-rosa esperando para ser colhida.

Não “ando devagar porque já tive pressa”, feito Almir Sater... Ainda tenho minhas necessidades materiais urgentes, porém, hoje, saboreio melhor meus momentos, curto cada passeio com minha Flávia manga-rosa.

Me tornei mais humilde, não que algum dia tenha sido arrogante, só deixei de dar tanta importância aos endinheirados que se achavam importantes... Educadamente estou na fase de bater continência até para soldado raso!

Fico feliz em saber que minha roupa azul não mais assusta os cães dos consumidores, e pelo abanar do rabo, me admiram, me acham legal!

A fase é de passear sem destino, revisitar minha terra natal, ouvir Creedence, dançar Santa Esmeralda... Compromisso, único, é subir no topo do poste e curtir o sol, despacito, se pondo no horizonte!

Já que descobri o nascer do sol, seguramente, descobri o valor da vida!

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

EM BUSCA DA FELICIDADE

Cochilando nem percebi quando o entramos na terra dos pinheirais.

O trem parou na estação daquela cidade pouco antes das três da tarde... Cansados descemos nossa bagagem e, dentro dela, a necessidade de ficarmos ricos! Percebemos em seguida que não tínhamos o que comer!

Minhas vagas lembranças não apagaram as imagens de um cadeirante vendendo bilhetes de loteria e alguns engraxates, todos sujos - todos guerreiros, implorando a oportunidade de brilhar os sapatos de qualquer um.

Papai seguiu, sem rumo, com os irmãos mais velhos à procura de uma casa para morarmos... Esperamos até o aparecer da lua e nos amontoamos num canto escuro daquela estação... 

O chefe do terminal ferroviário, com rispidez, determinou que saíssemos dali... Humildemente mamãe se levantou, ainda com meu irmão caçula dormindo em seus braços... Ela não disse uma palavra sequer, resignada, apenas chorou!

Naquela cidade não nos deram oportunidades, nenhuma... Encontramos apenas miséria e portas fechadas... Ali percebi a necessidade em arranjar uma caixa de engraxate... Ainda que todo sujo, porém guerreiro, era mais que necessária minha entrada no combate!

Penamos quase um ano por ali, ao perceber o logro papai tratou de arrumar nossas tralhas - buscamos o caminho de volta, e o natural caminho de volta seria Santa Cruz, mas o dinheiro só deu pra chegar em Ourinhos, a sempre acolhedora Ourinhos.

Hoje, 46 anos depois, estou aqui, na mesma cidade, operando a subestação de energia do município... Olho para os lados e não vejo o chefe da estação (agora a conversa seria comigo, canalha!), aliás, nem vejo a estação ferroviária, muito menos o vendedor de bilhetes...

Me bate uma vontade enorme de bloquear o religamento automático, acionar o botão “Desligar” para deixar todos no escuro, para que saibam o que é viver sem luz, sem perspectivas e sem horizontes... Lembro-me de mamãe - e abafo essa vingança descabida - ela não faria isto!

Passamos o dia ali, na cidade carrancuda, fazendo trenamento de inversão de fontes, ordem correta das manobras, enfim, um dia proveitoso!

Fecho o portão, ligo o carro e vou embora... Ao dobrar a esquina da antiga estação um engraxate, com um leve sorriso acena, me cumprimentando... Ele, todo sujo – todo guerreiro, espera a oportunidade para brilhar os sapatos de qualquer um! 

Que Deus abençoe todos os moradores daqui, por ora é o que desejo!


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

EU E AS NUVENS

Olhei para o céu e senti uma ponta de provocação das brancas nuvens pairando sobre minha cabeça... Não amarelei, vesti minha roupa antichama, coloquei minha espada isolante ao lado do poste, ergui minha escada extensível, criei coragem e fui para a batalha.

As nuvens, mutantes como ninguém, vez em quando tomavam forma de dragões alados, outras vezes pareciam dinossauros e, durante todo o confronto, passaram por muitas transmutações, por fim se vestiram de brancos arlequins.

Eu estava tenso, preparado para uma batalha terrível, enquanto aqueles flocos multiformes rodeavam no meu entorno... Como numa ciranda, deram as mãos e, em silêncio, apenas olhavam nos meus olhos... Aos poucos me hipnotizaram com um bailado embriagador, surreal, quase um sonho!

Quando soltei as amarras e pisei no degrau em que elas estavam ancoradas, aos poucos e suavemente, se afastaram... Medrosas, foram sumindo, uma a uma, e desintegraram-se naquele céu cruzeirense.

Respirei fundo... Aliviado olhei em volta e percebi, na linha do horizonte, a montanha rindo sem parar, além de algumas ovelhas que pastavam no verde azulado do rio, sem contar as formigas em procissão, pelo caminho do gado, carregando suas clorofilas!

No dia seguinte os jornais publicaram fotos, mas, deram pouca importância aos fatos... Falta de espaço, a prisão dos mensaleiros comeu quase meia página! Os jornalistas, como sempre tendenciosos, afirmaram que as nuvens queriam apenas dançar.

Diante de tanta ameaça, achei por bem, lavrar um boletim de ocorrência! Ainda falei para o escrivão: - Deve haver outras nuvens na terra dos arlequins brancos!

Tempo bom em Santo Antônio da Platina, neste instante os termômetros marcam 29 graus!

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

‘OS DIAS ERAM ASSIM’

Hoje um amigo escreveu a seguinte frase: 'os dias eram assim', em seguida postou uma fotografia de sua juventude, nos anos 70!  Outro amigo, antecipando felicitações natalinas, colou uma linda árvore de Natal...

Voltei aos, meus, anos 70, quando, a total falta de recursos fez com que nossa árvore de Natal fosse montada usando um galho de limoeiro, recortes de jornais e alguns retalhos de tecidos velhos.

Não sei se foi culpa da positividade e simbolismo que as árvores de Natal sugerem... Não sei se as orações ao Menino Jesus foram atendidas. A verdade é que nossas árvores de Natal foram melhorando em aparência e qualidade... A fome não mais sentou em nossa mesa, as ceias natalinas ficaram recheadas de chocolate, panetone e felicidade.

Hoje, anos depois, montarei minha árvore de Natal usando outro galho de limoeiro, simples, sem pisca-piscas, pêndulos coloridos ou guirlandas douradas... Não que faltem recursos, mas, pra lembrar que é necessário que se prove o amargo do suco da vida, para que se de valor às conquistas, à saúde, às amizades e à vontade de vencer.


Apesar das lembranças, o céu escuro não mais habita nossas vidas... Hoje meus momentos são radiantes, e minha árvore de Natal, mesmo que, montada com galho de limoeiro, exala um suave perfume cítrico e nos remetem ao cheiro da renovação e das esperanças!

Feliz Natal!

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

ESCOLAS RURAIS

Hoje, pela manhã, ao executar serviços na rede elétrica, do lado da escola da Fazenda Paraíso, senti falta das crianças que, quando me viam, acenavam e sorriam pelas ventanas das janelas... Estabanadas saíam ao pátio e aprontavam uma verdadeira festa, sem contar o questionário verbal ao qual eu era submetido, mesmo em cima do poste: 

- Você não tem medo de cair?... Por que passarinho não toma choque?... Sua roupa não é muito quente?... Você já levou choque?... Pra que esse monte de cordas? 

Aos olhos daquelas crianças eu era um quase-herói!

Éh, eu havia me esquecido, as escolas rurais do município foram desativadas há muito tempo.

“Especialistas” em educação, através de atas e portarias, julgaram que tais escolas eram “inviáveis”... Talvez a falta de educadores para as localidades rurais, ou, falta de recursos para manutenção das estruturas escolares, ou, sei lá... Desculpas, injustificáveis, é o que não faltaram.

Retiraram as crianças do habitat natural, colocando-as dentro dos ônibus escolares e despejando-as num mundo estranho, a cidade.

Por uma questionável economia, desintegraram o ambiente saudável da relação: pais x professores x comunidades rurais... Um mundo que tinha vida própria, alicerçada no respeito dos pais e dos alunos, para com os professores.

Decretaram o fim do bolo caseiro, dos presentes e das flores ofertadas às professorinhas, e, principalmente, o fim da “carta branca” dada aos educadores: Se fizerem “arte” pode “puxar as orelhas”... Ai da criança que ousasse desrespeitar um mestre, em casa, o “couro” comia! As professoras eram tratadas como criaturas divinas, quase-fadas!

Estudar na cidade, a princípio, parecia uma Disneylândia colorida, mas na verdade, trata-se de um mundo hostil, de desrespeito humano, sem afetividades, exposto à bandidagem e a decadência educacional!

Os pais não levam mais seus filhos, no lombo do burro, ou de carrocinha, para a escola... Não mais se vê as crianças amassando barro rumo à escolinha, nem atirando pedra no riacho e voltando, alegremente, para casa.  “Especialistas” decretaram o fim da inocência, o fim da felicidade!

Hoje, pela manhã, ao executar serviços na rede elétrica, do lado da escola da Fazenda Paraíso, senti falta das crianças brincando... Senti falta de mim...



segunda-feira, 14 de outubro de 2013

NUNCA MORRA SÁBADO À NOITE

Nem parece que os portões da primavera foram abertos em vinte e um de setembro... O pulôver, em cima da cama, terá que esperar para ser engavetado... A brisa fria que sopra, e tremula a cortina do quarto, denuncia que o tempo enlouqueceu.

O tempo... Ah o tempo! Passa por nós deixando marcas no rosto e digitais na alma... O tempo que, mesmo em outubro, ainda traz uma insistente aragem gelada que sopra feito o hálito do pulmão do freezer.

O tempo... Ah o tempo! Que nos leva para a inevitável fila do céu, única certeza da vida... O tempo não diz qual nossa senha nem a posição nessa fila... O tempo só nos da um tempo para sermos mais justos, mais humanos e melhores almas!

Já que o tempo ainda está frio e a fila do tempo passa mais rápido que um sopro, necessito pedir aos meus amigos: 

- Não permitam que suas senhas vençam no sábado à noite... A passagem dos meus amigos para o andar de cima tem que ocorrer em grande estilo, em dia de semana... Segunda-feira, terça ou qualquer outra feira, menos sábado à noite... Não quero me entristecer no domingo chorando por vocês... Não posso perder a missa das sete, a macarronada domingueira e o futebol à tarde... Na despedida dos meus amigos é indispensável que se guarde feriado, e feriado no domingo não tem graça!

Talvez minha senha vença antes... Quem poderá dizer o contrário?

Que aproveitemos a vida enquanto não chegar nossa hora... Sejamos justos e felizes não esquecendo, jamais, de trazer Deus dentro do coração!



sábado, 28 de setembro de 2013

VESTIDO DE BOLINHA

Devido ao sucesso do vestido cor de rosa, no ano passado, a Flávia passou a semana se arrumando para o “Jantar Dançante dos Leões - Anos 60”.

Comprou laquê, mandou fazer vestido de bolinha, providenciou sapatos com laços cor de rosa - a mesma cor da fita de cambraia pra amarrar os cabelos. 

Ensaiou cento e quarenta e quatro passos de “twist”... Decorou todo repertório da Celi Campelo... Tá certo que decorar “Banho de Lua” e “Estúpido Cupido” é mole, mas pra quem esperou pelo evento o ano inteiro, qualquer excesso, Deus perdoa.

Pra mim, mandou fazer uma jaqueta branca, gola alta, toda tacheada, bem Elvis mesmo... E para disfarçar o topete, que não tenho, me apareceu com um chapéu de marinheiro, tão ridículo que quase pedi o divórcio, por fim, aceitei – e não aceita pra ver!

Ventava horrores, temi que seu laquê ruísse à força dos 104 kms/hora... O tempo estava carrancudo, e com os convites em mãos saímos, não sem antes dar a última borrifada no Lancaster!

Eis que toca meu celular – era o técnico da agência avisando que metade da cidade estava sem luz.

Tirei a fantasia do Elvis e vesti minha vestimenta antichama. Busquei meu parceiro, abrimos o turno/noturno, e saímos fechando chaves, cortando árvores, emendando cabos e reconstruindo redes.

Varamos a noite... O que podia ter sido feito - foi feito... Quase todos com luz... Daqui pra frente a tarefa seria das equipes de manutenção, para rasgar o barro e plantar outras estruturas.

Chego em casa antes das 5 da manhã, minha bailarina dos “anos dourados” dormia feito um anjo no sofá vermelho, enquanto a luz da televisão refletia seu vestido de bolinha e os convites enrolados na mão direita.

Tomo meu necessário banho, desamarro seus sapatos de laços cor de rosa, falo bem baixinho no seu ouvido: 

- Vamos meu bem, já é tarde!

Tomo-a nos braços, e sigo para o quarto – era hora dos cometas do Bill Haley entrarem em ação!

A parte relatável do vendaval termina aqui!

O jantar dos "Anos 60", infelizmente, só no ano que vem...


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

“A CULPA É DE QUEM ERRA”

O título é uma frase do jovem filósofo: Matheus Bandeira... A afirmação do rapaz beira a obviedade, com ares de redundância, mas não é!

O Supremo Tribunal Federal, numa lamentável votação, decidiu por novo julgamento dos malditos “mensaleiros”, com base nuns tais “embargos infringentes” (são iguais aos lactobacilos vivos - ninguém sabe o que é!).

Decretaram o fim da cegueira da justiça... Hoje, tenho absoluta certeza que, a deficiência visual da justiça não passa de uma suave miopia... Nada que um par de óculos não resolva... Para enxergar dinheiro verde, então, é uma beleza.

No momento em que estamos praguejando os juízes do STF, entregando-lhes o bastão e todos os ônus da culpa, desejando que todos morram e queimem eternamente no fogo do inferno, é mais que necessário darmos um tempo...

Comecemos a refletir:

- Quem os nomeou para este tribunal... Não foram os políticos que estão no poder?

- E vocês acreditam que os políticos que estão no poder iriam nomear, para tais funções, algum cidadão que não comesse em suas marmitas?

Pois bem... voltando ao filósofo Matheus... “A culpa é de quem erra”, os políticos estão “na deles” – fomos nós que os elegemos - fomos nós que erramos, logo, a culpa é nossa.

Definitivamente o cupim corroeu o cerne das instituições...

Partidos políticos, todos os partidos - independente da sigla - PT, PSDB, PCC e PQP - se transformaram em verdadeiras quadrilhas, e com um único objetivo: roubar! 

Essa podridão me levou reler a biografia do General Ernesto Geisel - a que ponto cheguei... Pensar que fardas podem ser a salvação!

A revolta é tanta que me esqueci: Ivete Sangalo cantou no Rock’ in Rio (puta que pariu!)... Esqueci, inclusive, que amanhã começa a primavera...

E que venham as margaridas!


terça-feira, 10 de setembro de 2013

CAMPARI COM HORTELÃ

Belezas que não se excluem... Lua e Vênus combinaram ir pra balada...  Vestiram minissaias pretas, batom azul sangue, blusas decotadas e pousaram no céu escuro.

O poeta, eu e todos que estavam ao sul da linha do Equador, com as digitais em punho, lançamos flashes de tudo que é lado.

Exibicionistas, insistiram em girar por todo o céu - por toda noite. 

A Lua, com seu dragão tatuado no ombro esquerdo, sem São Jorge ou espada, sorria desvairada, parecia ter tomado Campari com hortelã... Estava linda, exalando Chanel, como as rosas na sala de espera do ginecologista para o teste de papanicolau... Vênus estava discreta, não nas vestimentas, mas nos risos. Quando sentou, sem querer, deixou à mostra a calcinha, da mesma cor do batom... Tinha uma pinta prateada no canto esquerdo da boca.

O poeta tinha razão: Lua e Vênus estavam absurdamente lindas... Vestidas para matar, glamourosas e profanas – E que brilho bacana!

Despudoradas desfilaram até tarde da noite, provocaram sem dizer o preço... Foram vistas, pela última vez, no fim da madrugada... Não traziam mais o brilho das vinte horas. Quase apagadas, estavam mais pra mamangava do que pra surfistinha... Depois se esconderam na sombra esverdeada do dia.

Não deixaram nenhuma notícia ou mensagem no “face” tipo: partiu universo!

Não deram a mínima para nós... No fundo, o que elas queriam, mesmo, era encantar o Sol!


sábado, 7 de setembro de 2013

INDEPENDÊNCIA

Mesmo tendo deixado os despertadores digitais desligados acordei, nesta manhã, com uma brisa fria, típica de final de inverno, que insistia em entrar pelas frestas da Sasazaki... Tremularam insistentemente a cortina lilás e, o pior, me acordaram!

Ainda tentei virar do lado e adormecer de novo, tentativa em vão: os atabaques, surdos e repiniques das escolas ecoavam desde a avenida principal... Nossa! esqueci, hoje é 7 de setembro! Dia de desfile cívico e tudo mais!

Quantas vezes, nos setembros de outrora, perfilei verde-oliva e bati continência para infelizes generais... Saudamos, em 79, uma independência comprada a libra esterlina e comemoramos a liberdade sob chicotes e cavalaria... Oh liberdade! Por que não abristes as asas sobre nós?

Mudaram os governos e continuamos apanhando feito cachorro sem dono, a liberdade sonhada não passou de ilusão. 

Hoje batemos continência para antigos guerrilheiros e seus “genoínos” pares: articuladores, mensaleiros, ladrões, entre alguns ali-babás! Trocaram o verde-oliva pelo vermelho! Que diferença faz a cor da farda capitão Fidel?



Vende-se a liberdade de um país por dois milhões de libras, com direito a grito de independência, príncipe regente, algumas AR’s 15 e médicos cubanos. 

Pobre Brasil, colônia de bandos armados, ontem, hoje, e para todo o sempre!

domingo, 1 de setembro de 2013

UM DIA DE SOL PARA O POETA

Ainda que uma viagem para a capital paulista não me seduza... Ainda que o trânsito paulistano me tire do sério... Desta vez a causa era nobre... Mais que nobre - divina!

Imagina que você fosse um músico “principiante” e recebesse um convite para ir ao lançamento do novo álbum do Ivan Lins, por aí dá para dimensionar a importância do convite... E eu, meus caros mortais, recebi um convite para ir ao lançamento, do segundo livro, do poeta Santana Filho...

Quebrei juramentos, sufoquei o medo e seguimos rumo ao Planalto de Piratininga. 

Por volta das sete da manhã, entramos na rodovia Castelo Branco, e seguimos, desejando que aquele tempo preguiçoso pudesse se transformar num lindo dia de sol... Cumprindo nosso desejo o sol se vestiu de soberano, com direito, inclusive, aos cliques nos paraquedistas despencando dos céus de Boituva!

E foi assim... Dentro do coração de São Paulo nos deparamos com um sublime poeta, distribuindo sorrisos, Beijinhos e autógrafos... Desejamos sucesso, alguns cliques para registros e a certeza de que a vida nada mais é que o reencontro com almas, do bem, que nos segue pela eternidade!

Justamente no último dia do mês de agosto, completo a trinca de pessoas que, pela divindade, todos nós deveríamos conhecer: o florista, o vendedor de algodão-doce e o poeta!

Ah, o sol que se esparramou por todo o sábado era exclusivo do poeta, era seu brilho, era sua luz!


E que venha setembro, José Santana Filho!

sábado, 17 de agosto de 2013

BUSCAS IMPERFEITAS

"
- Com a devida autorização, publico texto da jovem Bruna de Paula e Silva, estudante de Pedagogia, na Universidade Estadual de Londrina.
"Buscas Imperfeitas" é um paralelo entre a arte de escrever e a vontade de ajudar (coisa de altruísta). O que a acadêmica sugere é que as coisas "certinhas" nem sempre são unanimidades... Ela segue absolutamente segura em suas reflexões, dando pouca importância aos "lugares comuns" e aos vestidos de noiva, inclusive." 

                   BUSCAS IMPERFEITAS
Por: Bruna de Paula e Silva

                                       A primeira coisa que eu me lembro de querer na vida era escrever. E a primeira coisa que eu quis na vida foi ajudar as pessoas. Não se engane, não é erro de digitação, desde que me conheço por gente eu sempre desejei essas duas coisas em primeiro lugar. Antes mesmo de saber o que tudo isso significava, o quão impossíveis poderiam se tornar, antes mesmo de saber se duas coisas tão diferentes poderia ocupar um mesmo lugar.

Ajudar e escrever são escolhas duplamente impossíveis. Quando se escreve, a gente dá vida a algo que talvez só exista dentro da gente. É quando aquilo que você escreve precisa escolher entre caminhos que envolvem perdas e ganhos. Parece título de livro, mas não é. São essas escolhas que pressupõe se o caminho valerá à pena ou não.

Aqui, no plano dos seres reais, a escolha que parece inalcançável é aquela em que: se você jogar cartas, pesquisar no Google, pedir ajuda a todos os santos, e fizer uma planilha, vai desistir na hora. São atitudes sem sentido e irracionais, guiadas por um amor obscuro - e na maioria das vezes não correspondido – pelos seres humanos. São declarações da vida te mostrando que você acredita nas pessoas e não existe nada de mais lindo, só que é absolutamente sem volta.

As minhas escolhas são também frustrantes, porque escrever algo e ajudar alguém nunca é como a gente imagina que será, é sempre o máximo que você conseguiu fazer. E o máximo nem sempre é o suficiente para você, e talvez nem para os outros. Minhas escolhas são um espelho do meu limite, produto real (falante e pensante) do meu melhor e do meu pior.

Nesta história existe outra coisa mais interessante, é que minhas “escolhas impossíveis” não parecem escolhas pra ninguém – não é algo deliberado, algo passível de explicação, não é parênteses em aberto em uma prova para se marcar um xis onde bem se entender. Na minha recordação mais antiga não existe eu lendo algo interessante e, de repente, decidir que queria escrever. Também não me lembro de sentar no escuro - com cinco anos de idade e ouvindo meus pais brigarem – e decidir que eu precisava ajudar crianças que sofreriam pelo mesmo. Eu nunca pensei nesse assunto, essas escolhas eu sabia que aconteceriam e acabariam virando parte de mim... Assim como ter olhos verdes, nariz esquisito ou dentes pequenos demais para o tamanho do meu rosto. 

Só recordo que, nunca me neguei a assumir os riscos dessas escolhas, e isso eu não fiz porque fui corajosa, mas porque nunca conheci nenhuma outra opção... Mas, apesar de escrever e ajudar serem vontades tão inerentes, preciso contar uma triste verdade: eu nunca serei nem uma coisa, nem outra.

Sim, daqui uma semana sai meu terceiro artigo e ele será publicado em uma das revistas mais importantes, mas isso não faz de mim uma escritora. Esse artigo foi escrito com base na ajuda que prestei para um aluno deficiente intelectual que vive em condições quase que subumanas, só que pela primeira vez conseguiu mudar de série em 2013. Mas isto também está longe de atestar que eu posso ajudar alguém.

Agora eu posso compartilhar uma particularidade desses caminhos: escrever e ajudar são atos que nunca se aprende por completo, nem numa vida inteira. A vitória do meu aluno e meu artigo, quando estiverem prontos, se tornarão grandes realizações, uma alegria imensa, eu sei. Mas eles não significam, pra mim, um final glorioso, apoteótico, faixa de chegada, troféu ou, talvez, uma medalha de ouro... Eles não vão me entregar à sensação de dever cumprido.

Pelo contrário, muito pelo contrário: tudo isso me chegará com outras dúvidas, muitas inseguranças, minhas aflições serão reinventadas e multiplicadas e eu vou me perguntar todos os dias onde minha cabeça estava quando eu escolhi toda essa complicação.

Só que antes de você me chamar de pessimista, me dou ao direito de contestar: acho realmente sensacional que minha busca seja imperfeita assim, mesmo ela me trazendo tantos problemas. Pra mim, quanto mais verdadeiro tudo for, melhor. Eu conheço pessoas que tem sonhos perfeitos e lindos e eu acho maravilhoso (existe até uma inveja da minha parte). Mas eu, em algum momento da minha vida, preferi ter grandes realidades.




sexta-feira, 16 de agosto de 2013

QUASE UM GLADIADOR!

Hoje me peguei com as mãos na cintura, postura perfeitamente justificável, afinal, percorri cinquenta e tantos dezembros e atravessei algumas dúzias de desertos.

Fica então o questionamento: Valeu a pena?  

Oh, se valeu... Apesar dos contratempos, das cicatrizes e vestígios calejados nas digitais da mão esquerda, valeu a pena sim... As marcas dos meus pés, ainda visíveis, nas ruas de Ourinhos são provas irrefutáveis! 

É evidente que precisei refazer alguns planos de voo, mudei rumos, ajustei o GPS e segui lutando... Sob o signo de touro, perdi às vezes, mas no final, as vitórias foram acachapantes, tipo gol da Alemanha!

A sensação de ser alvo fácil, no centro do combate, há tempos ficou pra trás... Quando parecia sucumbir, eu levantava e seguia... Acionei o gatilho várias vezes - mas não queria abater ninguém (evidências da ausência de inimigos), atirei apenas para tanger os urubus.

Ah, teve a parte em que guerreei com meus próprios conflitos... A palavra 'desistir' foi sequer ventilada e, pensando bem, ela não consta no meu dicionário!

A turbulência de antes virou assustadora calmaria, verdadeira zona de conforto.

Principalmente nos momentos 'britadeira', jamais esqueci que Deus esteve presente, sempre presente.

Se Cecília Meireles, em “Retrato”, não soube dizer em que espelho ficou perdida sua face – a minha, mesmo em momentos embaçados, não se perdeu em momento algum! Ainda hoje ouço os trovões correndo de medo dos meus urros colossais!

Fiquei rico? Depende de qual riqueza... Se riqueza de ouro, dinheiro e outros metais tenho a dizer o seguinte: Sou feliz!

Acho difícil que outros furacões se atrevam, novamente, a passar por mim... Se passarem, tenho as bases suficientemente estaiadas... Estarei preparado! 

Para a lua minguante uivarei lua cheia, lobo que sou! E para espantar as nuvens escuras ligarei para a menina rotulada 'palmeirense', em plena Bombonera. 

Como estou curado dos furacões, trovões e urubus - a chuva não deixou cacos derramados no telhado e o sol quebrou o último parafuso do luar - deixo pra vocês apenas a tinta, sem caneta.