sábado, 31 de março de 2012

RUAS E LEMBRANÇAS


Dia desses decidi caminhar pelas ruas de Ourinhos, cidade onde eu e Ari Toledo fomos criados e onde nasceu o zagueiro Newmar e o mestre Antônio Abujamra. 

Eu queria rever os lugares onde passei minha infância e adolescência. Primeiramente procurei o Clube dos Jovens Terríveis. símbolo da minha geração, clube dançante, do qual era sócio (tenho intacta, até hoje, a carteirinha social), não encontrei! "Terríveis" do Campari, da camisa branca fosforescente na luz negra, da Banda Santa Esmeralda, da discoteca, dos Embalos de Sábado à Noite. Aquele ambiente “bombava” aos sábados e domingos. 

Exatamente às dez horas da noite de domingo, só ficavam as mulheres no local, saíamos para ver os “gols do Fantástico” no Jaracatiá, em frente ao Banco do Brasil. No lugar do Terribão existe, hoje, uma loja de colchões – necessidades cotidianas para um bom sono.

Procurei pelo Cine Ourinhos e Cine Pedutti, nada. O Pedutti, na esquina da matriz, transformou-se num banal mini-shopping. O Cine Ourinhos teve um final mais honroso, hoje é uma casa de cultura. Fim das matinês - do Tarzan, do Mazzaropi e dos bang-bangs italianos. Fim dos “lanterninhas”, fim das voltas e mais voltas, em torno da ala central das poltronas, paquerando e ouvindo a Orquestra Som Bateau. Esperávamos, ansiosos, o início da sessão, depois do delicioso Canal 100, é claro.

Os trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana ainda divide a cidade ao meio, porém, os trens de passageiros viraram peças de museu. A estação, quase desativada, tende a desaparecer, também. 

Ao parar no canto da praça Mello Peixoto, no prédio onde hoje é a Farmais, olhei para o telhado e tive a nítida impressão que meu pai ainda estava ali, batendo o martelo no madeiramento que ele ajudou construir, quase quarenta anos atrás... Todos os dias, eu levava seu almoço, que mamãe acondicionava dentro de uma marmita de alumínio e amarrava com um pano de prato com a inscrição, bordada em vermelho: "família feliz"! Naquele instante uma lágrima disfarcei.

As escolas onde estudei, ainda bem, estão de pé, tanto o Virgínia (Grupinho) quanto o Caló. Só não encontrei meus mestres: Professor Matsumoto, Mazé, Braulio, Getúlio, Natanael, Ademar Lopes, Helton, Sinésio, Diva, Domingos Perino, Mávilo Perino e etc. 

Meus colegas de classe: Olavo Dias, Elias Lourenço Ferreira, Geraldo Laperuta, Raimundo Barrueco, Airton Bomtempo, Edmilson Buratti, Valdir Galego nunca mais tive notícias.... Nossos melhores vizinhos: Dona Jandira e Senhor Sebastião (do Mário Cury) - pai do Marinho e do Betão não encontrei... Ficaram apenas as lembranças. Só lembranças!

Para não voltar pra casa decepcionado, resolvi percorrer as ruas comerciais procurando pela Bramerex, Lanchonete Paulista, Lojas Buri, Bazar do Pedrinho, Bandeira Branca, Foto Kuniyoshi, nada mais existe. 

Pode ser que eu volte para ver e rever outras coisas... Quem sabe assistir, no Ourinhense o imbatível Manchester United da Vila Margarida, ou, o “clássico” Gazeta x União da Barra Funda, ouvindo, com o radinho colado no ouvido, pela Rádio Clube de Ourinhos, a narração de Osvaldo Lazarini com reportagens de Aparecido Leite. Que pena! Descobri que esses gênios também já se foram!

Bons tempos rapaz, bons tempos!

quinta-feira, 29 de março de 2012

SEGUINDO A REDE ELÉTRICA


Que estrada você tem para seguir? 
Qual é o seu norte? 
Onde é o seu caminho?
Muitas vezes nos vemos diante de uma encruzilhada enigmática e hesitamos, não sabendo que caminho seguir.
Outras vezes, mais determinados sabemos, exatamente, onde queremos chegar.
Alguém disse certo dia, que o trajeto é mais importante que o destino. Também ouvi que devemos seguir em frente, sempre, mas cuidando da nossa estrada, pois, poderemos precisar voltar pelo mesmo caminho.

Afirmações à parte, não importa nossa atividade, sempre temos que seguir um rumo pré-definido.

Os Reis Magos seguiram a luz da estrela guia, para levar presentes, a uma criança que viria a ser nosso grande Salvador. Os maquinistas seguem os trilhos visando chegar bem, à próxima estação. Veículos de todo tipo, num vai e vem interminável, cortam estradas levando gente, coisas, progresso e sonhos. Os andarilhos seguem sempre em frente, porém, em indefiníveis passos e desconhecido destino, seguem simplesmente, pra onde o vento levar.

Nós eletricistas, também, temos nossas tarefas, caminhos e objetivos. Os procedimentos e equipamentos estão entendidos, todos. Nosso caminho é único - seguimos a rede elétrica. Todas as redes que cruzam os universos rurais e urbanos.

Nossa! Por quantos caminhos cruzamos para atender desde a mansão mais cara, do bairro chique, até o ranchinho de sapé, no fundo do vale. A rede elétrica é mesmo o nosso norte. Os postes, feito o Cristo Redentor, estão sempre de braços abertos, sustentando cabos por onde segue a corrente elétrica. Essa mesma corrente que une, poste a poste, todas as cidades, toda a humanidade.

Tão necessária nos dias atuais levamos a energia que move máquinas, motores, ilumina ruas, gera progresso e toca a vida. Levamos muito além de uma lâmpada acesa - levamos luz. Afinal de contas, aos olhos dos consumidores, nós somos a própria luz! 



sábado, 24 de março de 2012

INDISPENSÁVEIS!


No nosso dia-a-dia, ou melhor, na correria do nosso dia-a-dia, às vezes, não percebemos que algumas pessoas trabalham para facilitar nossas vidas. 

 Classifico essas pessoas como: indispensáveis. 

  E olha que eu não estou falando de gerência, coordenação, administração.

 Estou falando das nossas zeladoras ou, como queira, as tias do cafezinho. Eu prefiro chamá-las de “Anjos da Guarda”. 

 É evidente que alguns dirão: “Verdade, eu não havia pensado nisso!”, outros, simplesmente, nem se importarão.

 Se o atendente, a telefonista, o eletricista, o técnico, o encarregado, o gerente, entre outros, faltarem ao serviço pode ser que você nem perceba. Alguns até damos graças por não aparecer, mas, falta nossa zeladora pra ver. Tudo se transforma em desordem, caos - ficamos perdidos.

 Essas heroínas são grandes facilitadoras. Limpam nossa sujeira, arrumam tudo e além de cumprirem, ao pé da letra, os ensinamentos do 5S, ainda arrumam tempo pra aproveitar o pão de ontem e transformá-los em deliciosas torradas; arrumam tempo para estourar pipocas e esquentar nosso leite. 

 São as primeiras a chegar e não param um só minuto.

 Perceberam que pela manhã as coisas já estão prontas e tudo organizado? Foram elas que deixaram!

 Em todas as instituições são as que mais trabalham e as que menos recebem, em contrapartida, as mais simpáticas e amáveis. 

 São criaturas superiores que deixam, muitas vezes, as preocupações de seus lares (filhos doentes, maridos problemáticos, parentes chatos, etc.) para nos servir. Sem contar as tarefas domésticas que só poderão executar, após chegarem cansadas, à noite. São dotadas de uma resistência fantástica.

 Portanto, amanhã ao chegar, de um bom dia a essa grande guerreira. Não um bom dia qualquer, mas, um bom dia com a alma e o coração - para todas elas: Suelis, Alices, Marias, Marlenes, Lazinhas, Nadires, Lindas, Cleusas, enfim, todas!

 São mulheres dignas do nosso respeito e admiração.

 Uma salva de palmas pra elas. Elas merecem!

quinta-feira, 22 de março de 2012

EFICIÊNCIA ENERGÉTICA

 Sempre perguntam a nós, profissionais da área elétrica, se a colocação de garrafas pet, com água, sobre as caixas de medição, realmente, diminui o consumo de energia. 

 Perguntam, também, se há alguma explicação técnica/científica e lógica para esse procedimento. 

A resposta é não! Curto e grosso, não!

 Essas garrafas sobre as medições, além de não trazer nenhum benefício ao consumidor, exercem um peso constante sobre as mesmas, e dependendo da forma como as caixas estão fixadas ainda podem prejudicar as conexões dos dutos, gerando infiltrações, danos no medidor, no disjuntor e na fiação.

O único benefício, segundo especialistas, é que ao colocar tais garrafas sobre as medições, elas geram um efeito placebo e podem subliminarmente induzir o consumidor a economizar energia, providenciando o desligamento de lâmpadas, aparelhos eletrônicos, menos tempo no chuveiro e uso racional do ferro de passar roupas, entre outras ações.

E de onde surgiu essa idéia “genial”?

Contam que existia, numa antiga concessionária de energia paranaense, um eletricista que alinhavou um colóquio amoroso com uma mulher casada. Combinaram que, quando o marido não estivesse em casa, ela deveria colocar uma garrafa pet com água sobre o relógio da luz. 

Essa era a senha: garrafa com água sobre a medição - estava tudo liberado! 

Num dos encontros, depois da sem-vergonhice, ela se esqueceu de retirar a garrafa. O marido percebeu a presença da mesma e questionou a esposa:

- O que significa essa garrafa em cima da caixa de luz, amor?

- Foi o Toninho, da CHEP! Ele disse que isso diminui o consumo de energia, querido. Inventou!

 Ele ficou desconfiado, mas “engoliu”. Ela mais que depressa tratou de avisar o "pé de lã". 

 Dias depois, o marido encontrou o Toninho, na rua, e quis confirmar a estória.  Ele ratificou a afirmação da amante, com aparente cinismo.

 A mulher, diante dessa mentira, se viu obrigada a diminuir o consumo mudando alguns hábitos, tipo: passar roupas apenas uma vez por mês, deixar de ver novelas, nunca mais tomou banho quente – mesmo no inverno, até dormir no escuro a infiel se propôs.

 Resumo: diminui a conta de energia em 50%. 

 O marido, feliz, ligou para a ouvidoria, da CHEP, agradecendo a gentileza do Toninho que deu a dica da garrafa com água. 

 Por iniciativa própria, o marido traído, ainda fez questão de colocar outras duas garrafas sobre o medidor com o intuito de reduzir, ainda mais, o consumo.

Dá pra encarar?

sexta-feira, 16 de março de 2012

A VITÓRIA DE TODOS NÓS!


 Que Reinaldo Gianecchini é uma celebridade, não podemos negar. 

 Seu talento é questionável? 
Também é verdade! 

 Em contrapartida é uma verdadeira unanimidade entre as mulheres. 

 Jeito de galã italiano, dos anos 50, sempre arrancou suspiros do lado rosa choque do sofá. 

 Ficou conhecido, principalmente, por seu relacionamento com uma apresentadora de TV, vinte e poucos anos mais velha.  Teria a usado como trampolim para a fama? Isso agora não vem ao caso.

 Esse rapaz, no auge da carreira e da idade, foi informado pelo oncologista, a cerca de oito meses, da existência de tumor maligno no seu sistema linfático. 

 Uma notícia que caiu feito bomba, tanto no meio artístico, como para seus familiares e fãs. Houve uma espécie de comoção geral. 

 Um sujeito jovem, bom caráter - segundo seus amigos - acometido por uma doença estigmatizada e, há bem pouco tempo, considerada irreversível.

 Famoso, rico, estrela “global”!

 Imaginem o impacto de uma notícia dessas na cabeça desse jovem. Porém, em vez de depressão, lamúrias e desânimo, o que se viu foi um valente e corajoso guerreiro, enfrentando o problema de frente.

 Num jogo em que o adversário, imbatível, nunca dá chances, ele decidiu lutar pela vida! Perdeu os cabelos, mas não perdeu a coragem e a dignidade. 

 Quando da descoberta da anomalia, mesmo com a saúde fragilizada e a alma em pedaços - não deu tempo às lágrimas – foi à luta!

 Eis que, menos de um ano depois, não sei se por algum avanço da medicina, pela descoberta do linfoma a tempo,  ou pelas mãos de algum anjo de Deus, aparece curado, fazendo o que mais gosta: atuando! 

 Ao terminar a primeira apresentação, pós retorno, fala de sua luta, agradece a mãe e a Deus. Nesse momento, emociona-se em meio a lágrimas incontidas e um contagioso e sublime sorriso.    Sorriso de quem marcou o gol da vitória no último minuto da prorrogação - sorriso de vencedor!

 Quantos já enfrentaram ou estão enfrentando alguma enfermidade tanto pessoal como de um ente querido?

 Fica o exemplo desse guerreiro, de talento questionável sim, mas de uma força interior digna de admiração e aplauso!

 Ele deu a lição de vida, mas a vitória é de todos nós!

 Sí, se puede!!

domingo, 11 de março de 2012

CORCEL 73



É fato! Brasileiro é apaixonado por carros... Uma paixão desmedida que extrapola qualquer tese explicativa. 

As brigas, no trânsito, tem outro motivo que não seja o amor de "lata"?

 Pois bem, essa paixão pelos “possantes” há muito virou inspiração para compositores, paixão essa registrada em prosas e versos.

 Foi Roberto Carlos o precursor de tudo. Após ter deixado seu Cadillac (Pouco chique? Fala a verdade!) na oficina para conserto, se viu obrigado a sair envergonhado pelas ruas, com um Calhambeque (ele quis dizer Ford T 1929) por qual apaixonou-se e recusou devolvê-lo. 

 Eduardo Araújo, o “bom”, mesmo não definindo com que carro estava, dizia que o mesmo era vermelho e não usava espelho para se pentear, desceu a Rua Augusta a 120 por hora e, além do excesso de velocidade, ainda cometeu outra meia dúzia de infrações de trânsito.

 Almir Rogério estressou-se com sua namorada. Ela foi vista bêbada, dentro de um Fuscão Preto, que tinha um ronco maldito...   Era feito de aço, mas deixou seu peito em pedaços (essa foi pior do que apertar o dedo com alicate). E olha que esse Fuscão Preto tocava, dia e noite, em todas as rádios AM/FM do Brasil, tocava também, nos toca-fitas Road Star “auto reverse” da rapaziada.

 Marcelo Nova protestou brabo contra a ditadura militar; Além de privar a liberdade, fizeram pior: acabaram com o “Simca Chambord”. Essa é, sem dúvidas, uma verdadeira obra de arte... Fala dos “anos de chumbo”, da juventude da época e do desaparecimento do espetacular Simca.

 Raul Seixas falava da decepção ao ter alcançado um objetivo: Seu Corcel 73. “Foi tão fácil conseguir, agora eu me pergunto, e daí?" Sinceramente foge da minha alçada, e inteligência, a tentativa de explicação do “Ouro de Tolo” do Raulzito.

 Os mais bem humorados foram, sem dúvidas, os “Mamonas”... Essa simpática e saudosa banda colocou a “mina” dos cabelos “da hora”, do corpão violão e minissaia, dentro da espalhafatosa Brasília Amarela, e desceram a serra para se amar, pelados, no litoral paulista. Gostei dessa! 


AS CINCO MELHORES CRÔNICAS DE TODOS OS TEMPOS



A apaixonante Professora Luzia (Donalou) me disse certa vez que, todos nós, deveríamos ler mais, nem que seja um gibi da Mônica e do Cebolinha.

Sempre gostei de leituras curtas, tipo: poesias, comentários, opiniões, crônicas, etc. Gosto, também, de autores com linguagem simples, sem termos rebuscados e palavras “estroboscópicas”. 

Iniciei lendo, e adorava ler, crônicas no jornal O Estado de São Paulo (Estadão), que eu ganhava do senhor Humberto, dono de um boteco, perto da minha casa, há mais de 30 anos. Tá certo que o jornal era do dia anterior, mesmo assim: - Valeu, Senhor Humberto!

Pois bem, o hábito da leitura nos seduz e, às vezes, nos faz pensar que sabemos escrever, também. Diante disso, arriscamos e riscamos no papel algumas de nossas idéias, nossas metáforas e nossas prosopopeias.

Meus textos carregam lá suas limitações, mas bom gosto eu tenho, e para provar, vou reproduzir as CINCO MELHORES CRÔNICAS DE TODOS OS TEMPOS. São cinco autores diferentes, porém, com textos simples e adoráveis. Vale lembrar que a transcrição dos textos obedeceram a grafia original, com a ortografia da época. Quem sabe após a leitura você, também, coloque o bico da caneta no papel e inicie essa deliciosa caminhada.  

Preparados? Tomem então meu “TOP FIVE”:

ANTES QUE ELES CRESÇAM - Affonso Romano de Sant'Anna
“Há um período em que os pais vão ficando órfãos de seus próprios filhos.
É que as crianças crescem independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados.
Crescem sem pedir licença à vida.
Crescem com uma estridência alegre e, às vezes com alardeada arrogância.
Mas não crescem todos os dias, de igual maneira, crescem de repente.
Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maneira que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu?
Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o primeiro uniforme do maternal?
A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça...
Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes e cabelos longos, soltos.
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com uniforme de sua geração.
Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias, e da ditadura das horas.
E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros.
Principalmente com os erros que esperamos que não se repitam.
Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos filhos.
Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e das festas.
Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô.
Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvirmos sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, posters, agendas coloridas e discos ensurdecedores.
Não os levamos suficientemente ao Playcenter, ao shopping, não lhes demos suficientes hamburgueres e refrigerantes, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado.
Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.
No princípio iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhos.
Sim havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de chicletes e cantorias sem fim.
Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados.
Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas "pestes".
Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito para que eles acertem nas escolhas em busca da felicidade.
E que a conquistem do modo mais completo possível.
O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos.
O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco.
Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho.
Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto. Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.”
http://www.youtube.com/watch?v=tdClVu52qWs


O PADEIRO – RUBEM BRAGA
“Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta do apartamento - mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da véspera sobre a "greve do pão dormido". De resto não é bem uma greve, é um lock-out, greve dos patrões, que suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar seu café da manhã com pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo.
Está bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. Enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:
- Não é ninguém, é o padeiro!
Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo?
"Então você não é ninguém?"
Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é ninguém, não, senhora, é o padeiro". Assim ficara sabendo que não era ninguém...
Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixava a redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina - e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como o pão saído do forno.
Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque no jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; "não é ninguém, é o padeiro!"
E assobiava pelas escadas.”


OLHA O BUCHEIROOOOO! – ALCIR CHIARI
“Passava um pouco das quatro horas da manhã e além do galo do vizinho cantando e anunciando que continuava mandando no galinheiro, também se ouvia a chegada do padeiro com sua charrete.
O barulho das rodas, com raios de madeira e um arco de ferro à sua volta, somado às batidas das ferraduras, fixadas nas quatro patas do cavalo, contra o calçamento de pedra rompiam o silêncio da madrugada.O pão era deixado no parapeito da janela ou na soleira da porta das casas que faziam parte da freguesia.
O mesmo cenário era repetido uma hora depois pelo leiteiro que deixava sua encomenda em garrafas de vidro transparente de boca larga ou comuns de cerveja ou refrigerante.Ninguém tocava ou furtava nada, e no amanhecer, o cliente sonolento e sorrindo pegava suas encomendas agradecido pela prestação de serviços de ambos, que só receberiam pelos mesmos no final do mês.
Mais um dia de trabalho estava começando, e as fábricas anunciavam mais um início de jornada através de seu apito.
As mulheres, normalmente do lar, ficavam a cuidar da casa e dos filhos com a missão de preparar as refeições com tão pouco dinheiro.Gente simples e pobre ficava a espreita da salvação, que chegava próximo das quatro horas da tarde, o bucheiro!
Além do barulho de sua charrete, que lembrava a do padeiro e do leiteiro, ainda tocava sua tradicional e inconfundível corneta e, aos gritos chamava a freguesia:
·  Olha o bucheirooooo!
Acompanhando a charrete com o bagageiro de zinco, um cortejo de cães e gatos, atraídos pelo odor e na expectativa que lhes fossem atirados algumas sobras.
O bucheiro vendia miúdos de bovinos e suínos: - fígados, línguas, corações, buchos, rabadas e rins.
A freguesa por sua vez, com poucos centavos e muita exigência, adquiria os miúdos e transformava com criatividade tudo em um verdadeiro banquete.
A vida seguia calma, lenta e feliz.
O tempo passou!
O padeiro e o leiteiro não rompem mais o silêncio da madrugada com suas charretes barulhentas, tampouco passa o bucheiro no período da tarde vendendo miúdos baratos.
Desse tempo, sobraram apenas lembranças na memória de quem vivenciou.
A única recordação material está pregada atrás da porta da cozinha para espantar o mau olhado e trazer a boa sorte:
- A ferradura de uma das patas do cavalo do bucheiro!”

HERÓI. MORTO. NÓS. - Lourenço Diaféria
“Não me venham com besteiras de dizer que herói não existe. Passei metade do dia imaginando uma palavra menos desgastada para definir o gesto desse sargento Sílvio, que pulou no poço das ariranhas, para salvar o garoto de catorze anos, que estava sendo dilacerado pelos bichos.
 O garoto está salvo. O sargento morreu e está sendo enterrado em sua terra.
 Que nome devo dar a esse homem?
 Escrevo com todas as letras: o sargento Silvio é um herói. Se não morreu na guerra, se não disparou nenhum tiro, se não foi enforcado, tanto melhor.
 Podem me explicar que esse tipo de heroísmo é resultado de uma total inconsciência do perigo. Pois quero que se lixem as explicações. Para mim, o herói -como o santo- é aquele que vive sua vida até as últimas consequências.
 O herói redime a humanidade à deriva.
 Esse sargento Silvio podia estar vivo da silva com seus quatro filhos e sua mulher. Acabaria capitão, major.
 Está morto.
 Um belíssimo sargento morto.
 E todavia.
 Todavia eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento herói ao duque de Caxias.
 O duque de Caxias é um homem a cavalo reduzido a uma estátua. Aquela espada que o duque ergue ao ar aqui na Praça Princesa Isabel -onde se reúnem os ciganos e as pombas do entardecer- oxidou-se no coração do povo. O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal. Ao povo desgosta o herói de bronze, irretocável e irretorquível, como as enfadonhas lições repetidas por cansadas professoras que não acreditam no que mandam decorar.
 O povo quer o herói sargento que seja como ele: povo. Um sargento que dê as mãos aos filhos e à mulher, e passeie incógnito e desfardado, sem divisas, entre seus irmãos.
 No instante em que o sargento -apesar do grito de perigo e de alerta de sua mulher- salta no fosso das simpáticas e ferozes ariranhas, para salvar da morte o garoto que não era seu, ele está ensinando a este país, de heróis estáticos e fundidos em metal, que todos somos responsáveis pelos espinhos que machucam o couro de todos.
 Esse sargento não é do grupo do cambalacho.
 Esse sargento não pensou se, para ser honesto para consigo mesmo, um cidadão deve ser civil ou militar. Duvido, e faço pouco, que esse pobre sargento morto fez revoluções de bar, na base do uísque e da farolagem, e duvido que em algum instante ele imaginou que apareceria na primeira página dos jornais.
 É apenas um homem que -como disse quando pressentiu as suas últimas quarenta e oito horas, quando pressentiu o roteiro de sua última viagem- não podia permanecer insensível diante de uma criança sem defesa.
 O povo prefere esses heróis: de carne e sangue.
 Mas, como sempre, o herói é reconhecido depois, muito depois. Tarde demais.
 É isso, sargento: nestes tempos cruéis e embotados, a gente não teve o instante de te reconhecer entre o povo. A gente não distinguiu teu rosto na multidão. Éramos irmãos, e só descobrimos isso agora, quando o sangue verte, e quanto te enterramos. O herói e o santo é o que derrama seu sangue. Esse é o preço que deles cobramos.
 Podíamos ter estendido nossas mãos e te arrancando do fosso das ariranhas -como você tirou o menino de catorze anos- mas queríamos que alguém fizesse o gesto de solidariedade em nosso lugar.
 Sempre é assim: o herói e o santo é o que estende as mãos.
 E este é o nosso grande remorso: o de fazer as coisas urgentes e inadiáveis -tarde demais.”



EXIGÊNCIAS DA VIDA MODERNA – LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

“Dizem que todos os dias você deve comer uma maçã por causa do ferro.
E uma banana pelo potássio. E também uma laranja pela vitamina C. Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.
Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água. E uriná-los, o que consome o dobro do tempo.
Todos os dias deve-se tomar um Yakult pelos lactobacilos (que ninguém sabe bem o que é, mas que aos bilhões, ajudam a digestão). Cada dia uma Aspirina, previne infarto. Uma taça de vinho tinto também. Uma de vinho branco estabiliza o sistema nervoso. Um copo de cerveja, para... não lembro bem para o que, mas faz bem. O benefício adicional é que se você tomar tudo isso ao mesmo tempo e tiver um derrame, nem vai perceber.
Todos os dias deve-se comer fibra. Muita, muitíssima fibra. Fibra suficiente para fazer um pulôver.
Você deve fazer entre quatro e seis refeições leves diariamente. E nunca se esqueça de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada. Só para comer, serão cerca de cinco horas do dia...
E não esqueça de escovar os dentes depois de comer. Ou seja, você tem que escovar os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e enquanto tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, escovar a língua e bochechar com Plax. Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre a água, a fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia.
Há que se dormir oito horas por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as cinco comendo são vinte e uma.
Sobram três, desde que você não pegue trânsito. As estatísticas comprovam que assistimos três horas de TV por dia. Menos você, porque todos os dias você vai caminhar ao menos meia hora (por experiência própria, após quinze minutos dê meia volta e comece a voltar, ou a meia hora vira uma).
E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente, o que me faz pensar em quem vai cuidar delas quando eu estiver viajando.
Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as informações.
Ah! E o sexo! Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina. Há que ser criativo, inovador para renovar a sedução. Isso leva tempo - e nem estou falando de sexo tântrico.
Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero que você não tenha um bichinho de estimação. Na minha conta são 29 horas por dia.
A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo tempo! Por exemplo, tomar banho frio com a boca aberta, assim você toma água e escova os dentes. Chame os amigos junto com os seus pais. Beba o vinho, coma a maçã e a banana junto com a sua mulher... na sua cama.
Ainda bem que somos crescidinhos, senão ainda teria um Danoninho e se sobrarem 5 minutos, uma colherada de leite de magnésio.
Agora tenho que ir.
É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da maçã, tenho que ir ao banheiro.
E já que vou, levo um jornal... Tchau!
Viva a vida com bom humor!!!”

quinta-feira, 8 de março de 2012

BULLYING, TOMATES E ATITUDE





No pátio da escola reuníamos pra jogar nossa “pelada”. 

Num determinado dia, por causa de uma disputa de bola, discuti com outro aluno, iniciamos um bate-boca e quando virei de costas ele veio correndo, por trás, e me derrubou no chão. Confesso: “amarelei”. A turma do deixa disso nos separou e ele saiu prometendo que ia me esperar na saída, com a clássica frase: 

-Vou te pegar lá fora!

 Quando bateu o sinal, pouco antes do meio dia, eu saí pela porta da frente, me esquivando, e quando pensei que ele tivesse esquecido, lá estava o José, ou Zé Remela, esse era o apelido dele, junto com meia dúzia de outros moleques.

Apanhei muito naquele dia, só consegui escapar quando o pipoqueiro segurou-o e me mandou correr pra casa. 

Após aquele dia minha vida escolar virou uma tortura. Zé Remela não podia me ver e já me cercava, dando empurrões, petelecos, chutes, entre outras humilhações.

 Fisicamente eu não era tão menor que ele, mas, como eu já havia sucumbido, tinha medo, ou melhor, tinha pavor de seus olhos predadores. Esse meu medo travava qualquer reação de minha parte. Quando ouvia o nome do José eu tremia. 

Ir à escola passou a ser um tormento na minha vida. Eu tinha vergonha de contar, em casa,  o que estava acontecendo.  

 Perseguido e humilhado, comecei a cabular aulas. 

Num dia eu dava a desculpa de estar doente, em outro eu fingia ir pra escola e ficava escondido no campo do Seminário Josefino, até dar o horário de voltar pra casa.

 Pensei em conversar com o Padre Bernardino e conseguir uma vaga como seminarista. Mas, como justificar tal solicitação, eu, sem qualquer vocação sacerdotal?

 Cheguei a ficar uma semana inteira, por puro medo, sem ir à escola. Numa das minhas fugas, num dia chuvoso, lá mesmo no seminário, por conta e risco decidi que iria à aula no dia seguinte, enfrentaria o José, nem que eu morresse de tanto apanhar.

 Voltei para casa e minha mãe, coitada, juntou as últimas moedas, pedindo para que eu tirasse o uniforme e fosse comprar um quilo de tomates, no empório do japonês.

Quando eu retornava, em frente a horta da Dona Iraci, que era cercada por taquaras, ouvi a voz aterrorizante do Zé Remela: 
- Para aí Marreco (era meu apelido), o que é isso que está levando? Antes que eu respondesse ele bateu no saquinho de tomates. Uns rolaram pelo chão, outros fiquei segurando para não cair, enquanto seus amigos ficaram à espreita, rindo da situação.

Para mostrar poder ele emendou: 

- Não vai levar esses tomates não, vai enfiar todos nessas taquaras aí.

 Eu tremia e chorava de medo.  Comecei a fincar os tomates naquelas pontas de bambu, um a um.

 Quando eu cravava o quarto ou quinto tomate percebi que, no lugar da taquara, havia um pedaço de pau, solto e dependurado apenas por um prego. 
  
 Nesse momento, o medo se transformou em raiva... Arranquei, bruscamente, aquela madeira e virei com prego e tudo golpeando o lado direito do rosto do José. A pancada foi tão forte que chegou a estalar. Ele caiu, zonzo e vertendo em sangue. Antes que ele levantasse iniciei uma sessão de pauladas em sua cabeça, costas, barriga ou onde o pau pegasse. 

Ele gritava desesperado, seus amigos fugiram todos... Sua camiseta escolar, branca, parecia mais a camisa do América, de tão vermelha que ficou... Eu não parava de bater. Até que um senhor me segurou pelos braços e me tomou o porrete. Ele correu cambaleante, chorando e gritando de dor.

 Resgatei os tomates, todos, e os levei para casa. Fiquei sumido até anoitecer, esperando por uma surra de minha mãe (achava que daria até polícia). 

Para minha surpresa ninguém apareceu para reclamar o massacre. Fui dormir aliviado, feito um gladiador após uma vitória, com a certeza que na manhã seguinte eu retomaria, feliz, minhas aulas e minha liberdade.

 No outro dia cheguei cedo à escola, procurando pelo José, queria pegá-lo, de novo, antes do Hino Nacional. Não apareceu! 

Mas minha vingança ainda estava incompleta e não teve nenhum dos seus amigos que eu não tivesse acertado minhas contas... Pelo menos um soco na cara sobrou, para cada um deles. 

O terror da escola passou a ser eu. 

Para completar, José nunca mais apareceu. Fiquei sabendo, tempos depois, que foi morar com sua avó numa cidade vizinha.

 Eu cresci, aprendendo a me defender. Mais experiente me tornei pacífico, avesso à confusões. Agreguei grandes amigos durante minha caminhada. Aquele fato foi um divisor de águas para meu amadurecimento comportamental.

 Há cerca de um ano, em viagem à Santo Expedito, parei em um posto de combustível, perto de Presidente Prudente, para abastecer meu carro. 

O frentista me pediu as chaves e perguntou: 

- Enche o tanque?

Com o polegar fiz sinal de positivo. O frentista, ao abrir a tampa do tanque, ficou me olhando fixamente pelo espelho lateral,... Colocou a mangueira em posição de abastecimento mas não acionou o gatilho, entrando em um depósito ao lado da porta do atendimento. 

Esperei alguns minutos e vendo que ele não retornava fui falar com o gerente. Pedi para que ele mandasse alguém para completar meu abastecimento. Ele, mal educado, grita perguntando para o caixa:

- Tucura, cadê o Zé Rasgado?

 O outro respondeu: - Deve ter ido ao banheiro.

 O próprio gerente terminou o atendimento. 

Paguei a conta e fui até o depósito procurar pelo frentista. Dei de topa com o José (hoje Zé Rasgado), ele mesmo, Zé Remela: olhar medroso - cheio de cicatrizes no rosto e no pescoço - magro, vestígios de álcool nas pálpebras e  um semblante sofrido e assustado.

- Por que não abasteceu meu carro? Perguntei, com minha mão em posição de cumprimento.

Imóvel e evitando mirar meus olhos, ele respondeu: 

- Eu tenho medo de você, Marreco!

- Mas quase quarenta anos depois? esquece isso, retruquei.

 Ele fez um silêncio sepulcral, baixou a cabeça, e adentrou os fundos do depósito, desaparecendo por entre alguns tambores com óleo queimado.



segunda-feira, 5 de março de 2012

FIM DE TURNO



Li, semana passada, que existe movimento, na cidade de Londrina, para regulamentação da atividades dos carroceiros e, também, o agendamento da proibição das suas atividades no prazo de seis anos... Uma profissão, digna e penosa, com data marcada para acabar!

Terão o mesmo fim das antigas charretes com capota e pneus que chamávamos de “balaios de puta”. Essas  charretes desapareceram por falta de mercado, mas, determinar prazo de validade para uma profissão é passar dos limites.

O agrônomo, cronista e também londrinense Alcir Chiari, foi de uma sensibilidade ímpar, ao descrever, em sua crônica “Olha o Bucheirooooo!”, o desaparecimento de profissionais que, com suas carroças, madrugavam atendendo suas freguesias, quer entregando pães, leite ou miúdos de boi. Suas atividades tornaram-se inviáveis comparando custo x benefício. 

Esta ferradura, voltando ao caso de Londrina, se encaixaria melhor na sola dos pés desses “gênios” que determinam, através de portarias e atos institucionais, o crepúsculo de uma atividade não se importando com a exclusão desses profissionais, indispensáveis, dentro do que se propõem.

Temos consciência que algumas profissões foram suprimidas ou substituídas - isso é fato - por avanços tecnológicos, inviabilidades ou falta de mercado... Só para citar algumas, temos: os tintureiros, precursores das lavanderias atuais. Os acendedores de lampiões, obsoletos após a chegada da iluminação pública atrelada à energia elétrica.  Os fotógrafos de rua (lambe-lambes), derrotados primeiramente pelos estúdios fotográficos e por fim pelas câmeras digitais. Os tocadores de realejo com sua singeleza, agora, só nos livros e sites de pesquisa para reencontrá-los. Tropeiros que cortavam estradas tocando suas vacadas foram substituídos pelos caminhões boiadeiros.

Os professores de datilografia - ASDFGÇLKJH quem não se lembra dessa primeira lição? – perderam a cadeira para os professores de informática que, por sua vez, levaram para o túmulo, também, as máquinas de escrever e as escolas de datilografia. Podemos citar as benzedeiras que - longe de serem profissionais e muito menos remuneradas - eram na verdade, indispensáveis pelas suas dádivas e atendimento gratuito.

Os sapateiros ou conserto de calçados estão com os dias contados – respiram por aparelhos... E por falar em respiração artificial chegamos aos médicos, que, apesar de não correrem riscos, enfrentam a forte concorrência do Dr. Google. 

Por outro lado, enquanto houver litígios, os advogados estarão garantidos, se eternizarão. Mas, desculpe a ignorância, a quem serve os advogados?