sábado, 13 de agosto de 2016

3 QUILOS DE COXÃO MOLE



A chuva molhava a cidade havia 15 dias, contrariando a meteorologia que sugere setembro como mês de estiagem e seca. Até as flores, anunciadoras da primavera, estavam encharcadas!

Naquele tempo, meu pai era carpinteiro... Nos dias chuvosos os trabalhos em madeiramentos e carpintaria eram escassos. 

E atravessamos aquele setembro chuvoso, sem dinheiro, comendo arroz e caldo de fubá. Minha mãe, num ato de confiança e fé, esboçou o desenho de um sol no quintal e, dentro dele, quebrou um ovo, dizendo que era pra Santa Clara!

Lembro-me do dia em que meu pai à mesa, com o coração esperançoso, nos prometeu:

- Assim que eu receber o primeiro pagamento, depois da chuvarada, vou comprar carne pra gente comer!

Tão logo recebeu o pagamento semanal, o velho José, num ensolarado 14 de setembro, me chamou pra ir com ele ao açougue... Com a cabeça erguida e peito estufado pediu com voz altiva pro Seu Orlando do açougue:

- Pesa 3 quilos de coxão mole e corta pra bife, Seu Orlando, hoje quero dar um banquete pra minha criançada!

Minha mãe preparou um almoço inesquecível e felizes, feito pintinhos revirando lixo, nos saciamos!

Quanta luta o velho José peleou pra nos criar... Um guerreiro de coração ímpar e atitudes grandiosas!

Hoje, mais de quarenta anos depois, nesse mesmo 14 de setembro, percebo a ausência do velho José, mesmo assim sentiremos sua presença, e pra relembrar, irei ao supermercado e pedirei em voz alta:

- Por favor, pesa 3 quilos de coxão mole e corta pra bife, hoje quero homenagear meu pai!

terça-feira, 2 de agosto de 2016

O CARRO QUE SONHEI


A vida seguia tranquila feito paisagem de setembro... Do carnê do terreno pra construção da casa nova só restava um boleto e nosso Ford Fiesta 2011 havíamos quitado a última prestação no mês anterior ( Ufa!).

Agora sossegados ficaremos pelo menos mais dois anos com nosso “Fiestinha vermelho”, pensei eu.... Ledo engano, numa tarde ensolarada chego em casa e vejo uma Ecosport Freestyle, também vermelha, toda reluzente na garagem... Minha pressão subiu, o coração disparou, enfim, quase caí das pernas e corri pedir explicações pra Flávia:

- Tá louca? Agora que a gente conseguiu um fôlego você aparece com esse carro de rico... O Fiesta paguinho e você assumindo uma dívida monstruosa!! 

- Calma meu bem, a concessionária fez um plano legal, pagou um bom preço no Fiesta, eu fiz as contas, dá pra gente pagar sossegado, ponderou ela!

Passado o susto inicial, mal sabia ela que ali, na nossa garagem, estava meu sonho de consumo, tão sonhado quanto o Maverick dos meus tempos de juventude, nos idos anos 70, que, infelizmente, meus rendimentos jamais conseguiram comprar!

Estava ali o terceiro carro que a Priscila da Ford nos vendia... O Ford Ka da nossa filha, nosso Fiesta e agora a Ecosport... A confiança, credibilidade e bom atendimento dessa menina me faz crer que fizemos um grande negócio.

Naquela noite fiquei um tempão namorando aquela “nave” na garagem. Acho que vou ter que fazer um treinamento para operar tanta tecnologia, pensei comigo!

Passados mais de dois meses, os comandos da nossa Ecosport não assustam mais e, semana passada, decolamos pra nossa primeira viagem, até Londrina!

Fomos só nós dois, as crianças estão envolvidas com seus desafios escolares... Cresceram, criaram asas e estão por aí alçando voos solo... Dessa vez não haverá brigas no banco de trás por lugar na janela, não perguntarão se ainda falta muito pra chegar!

A estrada pra Londrina passa depressa... Fomos e voltamos curtindo a paisagem, ouvindo Johnny Rivers e aproveitando o céu azul, todo azul.

Pelo retrovisor percebemos os caminhos ficando pra trás e nossa Ecosport nos convidando pra romper outros horizontes!

Se a vida é feita de sonhos aí está mais um, concretizado!

À bordo da Ecosport seguiremos sonhando novas felicidades!


sábado, 30 de abril de 2016

FERIDAS


Hoje, quando minha esposa me pediu pra passar na farmácia e trazer um relaxante muscular, lembrei-me de mamãe.

- João, vai até a farmácia e fala pro Seu Lazinho mandar esparadrapo, água oxigenada e metiolate... Leva a caderneta e, na volta, passa no empório do Seu Vitório e pede pra ele marcar dois quilos de arroz e um litro de óleo.

Que saudades do metiolate!

Tá ficando louco, João, diriam vocês: Saudades de um medicamento que ardia mais que fogo???!!!

Lógico que não... Sei que aquele remédio para limpar feridas ardia mais que brasa, é que depois da dor, e da ardência, minha mãe assoprava o machucado.

Aquele sopro era sagrado, aliava a dor física e a dor da alma... Existia um certo prazer quando aparecia algum machucado, a gente gostava do borbulhar da água oxigenada e sabia que lá estava uma santa pra soprar e acariciar nossa dor.

Mas o tempo passou meu caro...

Mudaram a composição e os líquidos cicatrizantes não ardem mais...  Seu Lazinho e Seu Vitório já repousam no andar de cima, minha mãe também fez a viagem definitiva.

As feridas e os machucados da alma, que vamos angariando nesses tempos bicudos, ficaram à mercê do nosso frágil poder de recuperação.

Não tenho mais o sopro antisséptico da minha mãe.

Sigo... Lutando, caindo e levantando, as dores dos machucados rogam aquele sopro que Deus, dadivoso, um dia me deu de presente, e eu, insensível, só percebi depois que ela já tinha ido embora!

A sua benção minha mãe!

sábado, 30 de janeiro de 2016

OUTRAS TRIBOS


Trifo apareceu na agência bancária num começo de tarde, a segunda lua de fevereiro ainda nem tinha dado o ar da graça.

Trifo era um indiozinho aculturado, trajava uma camiseta do Corinthians, tinha uns 10 anos, não mais... Ao chegar disse estar “morrendo de sede” e aguardava a Kombi da Funai para retornar à sua aldeia, na beira do Barra Grande.

Além da água e do café, ofereci pão com manteiga... Faminto, devorou tudo rapidinho... Seu contentamento indisfarçável foi o que sacramentou, naquele instante, nossa amizade.

O pequeno guarani virou frequentador assíduo daquele estabelecimento bancário... Não tinha conta corrente nem poupança, mas tornou-se titular do nosso pãozinho com manteiga.

Curioso perguntava tudo, com aquele sotaquezinho típico indígena, com dificuldades para pronunciar certas palavras: peixe era pête, tartaruga era tataúga, jacaré era jacaé, João era Jão, etc.

Mas foi a matemática quem quase o tirou da escola, a ponto de fazê-lo chegar aos prantos, na minha mesa, falando em largar tudo, por não conseguir resolver uma simples subtração de dois algarismos.

- Português é mais fácil que Matemática, né Jão? Afirmou o guarani.

-Não é não, Trifo... Português é mais complicado! Retruquei!

- Não liga não Trifo, vou te dar umas dicas e você vai ficar "fera" em Matemática... Ao ouvir isto seus olhos brilharam!

Aplicado que era, rapidinho aprendeu a tabuada, depois as quatro operações básicas: adição, subtração, multiplicação e divisão (com dois algarismos dentro da chave, inclusive!)... Até teoria dos conjuntos o danado conseguiu captar! Uma vitória pra ele (e pra mim também!).

Eis que ontem, mais de vinte anos depois, ao refazer conexões no alto do poste, na aldeia Pinhalzinho dos Índios, na cidade onde fui bancário, um jovem olha para o alto do poste e, ao me reconhecer, começa dar pulos de alegria e contentamento:

- É o Jão... É o Jão... É o Jão!

Pois é... Ali estava o Trifo, o indiozinho corintiano do pão com manteiga, já adulto, mas com o mesmo semblante curioso e sincero.

Perguntou da minha vida e do balaio de taquaras que Dona Tula fez pra mim,  e não conseguiu disfarçar a felicidade em me ver novamente (eu também!).

Falou de seus projetos futuro... Disse que agora era o Chefe da Tribo e que esse ano termina o Curso de Administração de Empresas... Disse, também, que tem pretensão de galgar um posto administrativo na Funai.

Se bem o conheço, certamente, conseguirá!

Antes que eu saísse me ofereceu meia dúzia de cabotiás pra comer com “pête”.

Ao ligar a camionete acenei me despedindo, Trifo encostou perto da janela do veículo e afirmou com veemência:

- Português é mais difícil que Matemática, né Jão?

Disfarcei um leve sorriso e concordei!

A noite, pela janela do quarto, ao mirar a terceira lua de janeiro, pensei nos grãos que a gente, sem querer, semeia por aí, e que, boas sementes que são, germinam com tal grandeza que acaba nos tornando seres humanos melhores, bem melhores!


domingo, 6 de dezembro de 2015

CONTO DE UM NATAL DE LUZ



Para nós, eletricistas de concessionária de energia, a suspensão de fornecimento, ou corte, como queiram, é a pior das tarefas, momento delicado e tenso onde o respeito ao consumidor é, acima de tudo, fundamental. 

No dia-a-dia nos deparamos com verdadeiras tragédias sociais e dramas familiares, os tais "ossos do ofício"!

Hoje me veio à lembrança um acontecimento marcante ocorrido na semana do Natal do ano passado... Um teste à resiliência da minha alma! Vale lembrar que, pra mim, tarefa dada é tarefa cumprida.

Durante a execução dos “cortes” daquele dia, chego numa casinha de meia-água, humilde,  num bairro da periferia da cidade... Muro baixo sem reboco, portão quebrado e um cachorro magro deitado na varandinha da frente.

Bato as palmas de praxe e ninguém me atende... Ao baixar o disjuntor percebo que a tv, em volume alto, emudece... Simultaneamente abrem-se as ventarolas do vitrô da sala e pelas frestas observo três pares de olhinhos brilhantes.

Pela porta da sala saem três crianças, a maiorzinha, uma menina de uns dez anos, é seguida pelos irmãos menores.

- Você desligou nossa luz, moço? Perguntou a menina, e emendou:

- A gente estava assistindo desenho!

E seguiu questionando:

- Vamos ter que tomar banho na água fria?

Lembram do respeito ao consumidor? Então... Aí quem iniciou os questionamentos fui eu:

- Onde está seu pai ou sua mãe?

- Estão cortando cana pra comprar nossos presentes de Natal! Ponderou e continuou:

- Hoje é sexta-feira, dia do pagamento da semana...  Você não vai deixar a gente passar o Natal sem luz, né moço?

Enquanto eu conversava com a menina, os irmãos observavam calados, comendo pedaços de pão seco... Ato contínuo, religuei o disjuntor e lacrei a caixa de medição, retornando a energia.

Procuro fazer meu trabalho obedecendo as normas da empresa, porém, minha alma ainda não perdeu a ternura.

Tenho consciência que não conseguirei resolver os dramas do mundo, mas, se eu insistisse naquele “corte” penso que estaria aumentando minha coleção de fracassos!

Voltei pra base e contei ao gerente (outra alma bendita) que, imprimiu as contas em atraso e me ajudou na quitação dos débitos (que não era tanto dinheiro assim!).

Pela primeira vez em dez anos não fui ao Correio pegar uma cartinha do “Papai Noel”, os presentes do ano e a Cesta de Natal decidi levar para as crianças dos olhinhos brilhantes (Mariana, Cléber e Jéssica), que por ora queriam, apenas, assistir desenho animado e tomar banho quente.

Um Natal de luz pra todos vocês!!!!!!!



domingo, 11 de outubro de 2015

DO CINTURÃO DE COURO AO HIDROELEVADOR

Inovações e novas tecnologias - sob este cenário acompanhei, com meus olhos de eletricista, a evolução dos recursos tecnológicos, ferramentais, procedimentos, comunicação e segurança nos últimos 10 anos, na Copel.

Nosso uniforme deixou de ser, apenas, a padronização do “look”... Se tornou EPI, devido sua função antichama.

As escadas, seja singela ou extensível, antes de madeira (ecologicamente incorretas além de pesadas) hoje são confeccionadas em fibra - mais leves, resistentes e seguras.

Os arcaicos cinturões de couro deram lugar aos cintos tipo cadeirinha, usado pelos paraquedistas... Ergonomicamente impecáveis, nos oferece agilidade e segurança.

As pré-históricas “esporas” continuam na ativa, porém, estão com os dias contados, haja vista a comodidade das novas escadas, cinturões, conjunto antiqueda (cinto, trava-quedas, corda de vida, mosquetões, etc..).

Sem contar que estão chegando os novos capacetes, conjugados com proteção facial e auricular.

Varas de manobras antigas, com encaixe de gomos, pesadas e trabalhosas, melhoraram quando viraram VTT’s retráteis – potencializaram o isolamento e diminuíram seu peso.

Alguns dos nossos veículos operacionais possuem câmeras com termosensores, para localizarem “pontos quentes” na nossa rede elétrica.

Nossa frota também se modernizou – as pick-ups top de linha de mercado (Amarok, Hilux  e Ranger) estão compondo nossas atuais ferramentas automotivas... Com condicionadores de ar instalados, o que parece luxo descartável, na verdade, é recurso para diminuir a fadiga... 

Para nós, eletricistas, a grande evolução ferramental veio com os hidroelevadores: seguros, ágeis, perfeitos ergonomicamente, enfim, verdadeiros “pão com ovo”!

Os recursos de comunicação também evoluíram: as “ose’s” anteriormente de papel impresso, desapareceram devido à chegada dos tablet’s e autotrack’s que, autogerenciáveis, são capazes de receber e enviar os trabalhos diários online... Com comunicação via telefonia ou satélite, além de serem dotados de sistema de localização (GPS) que, por sua vez, decretou o fim do pedido de informações a terceiros... Um avanço monumental!

As Normas Regulamentadoras (NR’s), do Ministério do Trabalho, também se adequaram à nova ordem de segurança: trabalho individual no SEP tornou-se proibido, corda de ancoragem acima de 2 metros de altura passou a ser obrigatória, entre outras melhorias.

Os padrões GSST (nossa Bíblia) estão todos normatizados e disponíveis tanto em cartilhas como na versão e-book - disponíveis nos tablet’s citados acima.

Do jeito que caminha a evolução tecnológica na Copel, em questão de minutos estaremos correndo linhas de transmissão com drones telecomandados, localizando defeitos, efetuando reparos, enfim, facilitando a vida de todos.

Infelizmente não ficarei a tempo de fazer inveja à Marty Mcfly e, voando, feito pássaros inoxidáveis isolantes, executar trabalhos nas redes aéreas, com um propulsor pregado às costas... 

Mera questão de tempo, meu rapaz!!!





domingo, 16 de agosto de 2015

CARNAVAL DE VENEZA


A moça dentro do quadro
Mascarada eu via em Veneza
Nos olhos trazia mistérios
Na face trazia beleza.

Mas a mola de dentro do quadro
Que no canal de Veneza vivia
Disfarçava que me olhava
Se olha eu sei que me via.