sábado, 30 de janeiro de 2016

OUTRAS TRIBOS


Trifo apareceu na agência bancária num começo de tarde, a segunda lua de fevereiro ainda nem tinha dado o ar da graça.

Trifo era um indiozinho aculturado, trajava uma camiseta do Corinthians, tinha uns 10 anos, não mais... Ao chegar disse estar “morrendo de sede” e aguardava a Kombi da Funai para retornar à sua aldeia, na beira do Barra Grande.

Além da água e do café, ofereci pão com manteiga... Faminto, devorou tudo rapidinho... Seu contentamento indisfarçável foi o que sacramentou, naquele instante, nossa amizade.

O pequeno guarani virou frequentador assíduo daquele estabelecimento bancário... Não tinha conta corrente nem poupança, mas tornou-se titular do nosso pãozinho com manteiga.

Curioso perguntava tudo, com aquele sotaquezinho típico indígena, com dificuldades para pronunciar certas palavras: peixe era pête, tartaruga era tataúga, jacaré era jacaé, João era Jão, etc.

Mas foi a matemática quem quase o tirou da escola, a ponto de fazê-lo chegar aos prantos, na minha mesa, falando em largar tudo, por não conseguir resolver uma simples subtração de dois algarismos.

- Português é mais fácil que Matemática, né Jão? Afirmou o guarani.

-Não é não, Trifo... Português é mais complicado! Retruquei!

- Não liga não Trifo, vou te dar umas dicas e você vai ficar "fera" em Matemática... Ao ouvir isto seus olhos brilharam!

Aplicado que era, rapidinho aprendeu a tabuada, depois as quatro operações básicas: adição, subtração, multiplicação e divisão (com dois algarismos dentro da chave, inclusive!)... Até teoria dos conjuntos o danado conseguiu captar! Uma vitória pra ele (e pra mim também!).

Eis que ontem, mais de vinte anos depois, ao refazer conexões no alto do poste, na aldeia Pinhalzinho dos Índios, na cidade onde fui bancário, um jovem olha para o alto do poste e, ao me reconhecer, começa dar pulos de alegria e contentamento:

- É o Jão... É o Jão... É o Jão!

Pois é... Ali estava o Trifo, o indiozinho corintiano do pão com manteiga, já adulto, mas com o mesmo semblante curioso e sincero.

Perguntou da minha vida e do balaio de taquaras que Dona Tula fez pra mim,  e não conseguiu disfarçar a felicidade em me ver novamente (eu também!).

Falou de seus projetos futuro... Disse que agora era o Chefe da Tribo e que esse ano termina o Curso de Administração de Empresas... Disse, também, que tem pretensão de galgar um posto administrativo na Funai.

Se bem o conheço, certamente, conseguirá!

Antes que eu saísse me ofereceu meia dúzia de cabotiás pra comer com “pête”.

Ao ligar a camionete acenei me despedindo, Trifo encostou perto da janela do veículo e afirmou com veemência:

- Português é mais difícil que Matemática, né Jão?

Disfarcei um leve sorriso e concordei!

A noite, pela janela do quarto, ao mirar a terceira lua de janeiro, pensei nos grãos que a gente, sem querer, semeia por aí, e que, boas sementes que são, germinam com tal grandeza que acaba nos tornando seres humanos melhores, bem melhores!