domingo, 11 de março de 2012

AS CINCO MELHORES CRÔNICAS DE TODOS OS TEMPOS



A apaixonante Professora Luzia (Donalou) me disse certa vez que, todos nós, deveríamos ler mais, nem que seja um gibi da Mônica e do Cebolinha.

Sempre gostei de leituras curtas, tipo: poesias, comentários, opiniões, crônicas, etc. Gosto, também, de autores com linguagem simples, sem termos rebuscados e palavras “estroboscópicas”. 

Iniciei lendo, e adorava ler, crônicas no jornal O Estado de São Paulo (Estadão), que eu ganhava do senhor Humberto, dono de um boteco, perto da minha casa, há mais de 30 anos. Tá certo que o jornal era do dia anterior, mesmo assim: - Valeu, Senhor Humberto!

Pois bem, o hábito da leitura nos seduz e, às vezes, nos faz pensar que sabemos escrever, também. Diante disso, arriscamos e riscamos no papel algumas de nossas idéias, nossas metáforas e nossas prosopopeias.

Meus textos carregam lá suas limitações, mas bom gosto eu tenho, e para provar, vou reproduzir as CINCO MELHORES CRÔNICAS DE TODOS OS TEMPOS. São cinco autores diferentes, porém, com textos simples e adoráveis. Vale lembrar que a transcrição dos textos obedeceram a grafia original, com a ortografia da época. Quem sabe após a leitura você, também, coloque o bico da caneta no papel e inicie essa deliciosa caminhada.  

Preparados? Tomem então meu “TOP FIVE”:

ANTES QUE ELES CRESÇAM - Affonso Romano de Sant'Anna
“Há um período em que os pais vão ficando órfãos de seus próprios filhos.
É que as crianças crescem independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados.
Crescem sem pedir licença à vida.
Crescem com uma estridência alegre e, às vezes com alardeada arrogância.
Mas não crescem todos os dias, de igual maneira, crescem de repente.
Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maneira que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu?
Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o primeiro uniforme do maternal?
A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça...
Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes e cabelos longos, soltos.
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com uniforme de sua geração.
Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias, e da ditadura das horas.
E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros.
Principalmente com os erros que esperamos que não se repitam.
Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos filhos.
Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e das festas.
Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô.
Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvirmos sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, posters, agendas coloridas e discos ensurdecedores.
Não os levamos suficientemente ao Playcenter, ao shopping, não lhes demos suficientes hamburgueres e refrigerantes, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado.
Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.
No princípio iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhos.
Sim havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de chicletes e cantorias sem fim.
Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados.
Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas "pestes".
Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito para que eles acertem nas escolhas em busca da felicidade.
E que a conquistem do modo mais completo possível.
O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos.
O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco.
Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho.
Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto. Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.”
http://www.youtube.com/watch?v=tdClVu52qWs


O PADEIRO – RUBEM BRAGA
“Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta do apartamento - mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da véspera sobre a "greve do pão dormido". De resto não é bem uma greve, é um lock-out, greve dos patrões, que suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar seu café da manhã com pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo.
Está bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. Enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:
- Não é ninguém, é o padeiro!
Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo?
"Então você não é ninguém?"
Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é ninguém, não, senhora, é o padeiro". Assim ficara sabendo que não era ninguém...
Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixava a redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina - e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como o pão saído do forno.
Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque no jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; "não é ninguém, é o padeiro!"
E assobiava pelas escadas.”


OLHA O BUCHEIROOOOO! – ALCIR CHIARI
“Passava um pouco das quatro horas da manhã e além do galo do vizinho cantando e anunciando que continuava mandando no galinheiro, também se ouvia a chegada do padeiro com sua charrete.
O barulho das rodas, com raios de madeira e um arco de ferro à sua volta, somado às batidas das ferraduras, fixadas nas quatro patas do cavalo, contra o calçamento de pedra rompiam o silêncio da madrugada.O pão era deixado no parapeito da janela ou na soleira da porta das casas que faziam parte da freguesia.
O mesmo cenário era repetido uma hora depois pelo leiteiro que deixava sua encomenda em garrafas de vidro transparente de boca larga ou comuns de cerveja ou refrigerante.Ninguém tocava ou furtava nada, e no amanhecer, o cliente sonolento e sorrindo pegava suas encomendas agradecido pela prestação de serviços de ambos, que só receberiam pelos mesmos no final do mês.
Mais um dia de trabalho estava começando, e as fábricas anunciavam mais um início de jornada através de seu apito.
As mulheres, normalmente do lar, ficavam a cuidar da casa e dos filhos com a missão de preparar as refeições com tão pouco dinheiro.Gente simples e pobre ficava a espreita da salvação, que chegava próximo das quatro horas da tarde, o bucheiro!
Além do barulho de sua charrete, que lembrava a do padeiro e do leiteiro, ainda tocava sua tradicional e inconfundível corneta e, aos gritos chamava a freguesia:
·  Olha o bucheirooooo!
Acompanhando a charrete com o bagageiro de zinco, um cortejo de cães e gatos, atraídos pelo odor e na expectativa que lhes fossem atirados algumas sobras.
O bucheiro vendia miúdos de bovinos e suínos: - fígados, línguas, corações, buchos, rabadas e rins.
A freguesa por sua vez, com poucos centavos e muita exigência, adquiria os miúdos e transformava com criatividade tudo em um verdadeiro banquete.
A vida seguia calma, lenta e feliz.
O tempo passou!
O padeiro e o leiteiro não rompem mais o silêncio da madrugada com suas charretes barulhentas, tampouco passa o bucheiro no período da tarde vendendo miúdos baratos.
Desse tempo, sobraram apenas lembranças na memória de quem vivenciou.
A única recordação material está pregada atrás da porta da cozinha para espantar o mau olhado e trazer a boa sorte:
- A ferradura de uma das patas do cavalo do bucheiro!”

HERÓI. MORTO. NÓS. - Lourenço Diaféria
“Não me venham com besteiras de dizer que herói não existe. Passei metade do dia imaginando uma palavra menos desgastada para definir o gesto desse sargento Sílvio, que pulou no poço das ariranhas, para salvar o garoto de catorze anos, que estava sendo dilacerado pelos bichos.
 O garoto está salvo. O sargento morreu e está sendo enterrado em sua terra.
 Que nome devo dar a esse homem?
 Escrevo com todas as letras: o sargento Silvio é um herói. Se não morreu na guerra, se não disparou nenhum tiro, se não foi enforcado, tanto melhor.
 Podem me explicar que esse tipo de heroísmo é resultado de uma total inconsciência do perigo. Pois quero que se lixem as explicações. Para mim, o herói -como o santo- é aquele que vive sua vida até as últimas consequências.
 O herói redime a humanidade à deriva.
 Esse sargento Silvio podia estar vivo da silva com seus quatro filhos e sua mulher. Acabaria capitão, major.
 Está morto.
 Um belíssimo sargento morto.
 E todavia.
 Todavia eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento herói ao duque de Caxias.
 O duque de Caxias é um homem a cavalo reduzido a uma estátua. Aquela espada que o duque ergue ao ar aqui na Praça Princesa Isabel -onde se reúnem os ciganos e as pombas do entardecer- oxidou-se no coração do povo. O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal. Ao povo desgosta o herói de bronze, irretocável e irretorquível, como as enfadonhas lições repetidas por cansadas professoras que não acreditam no que mandam decorar.
 O povo quer o herói sargento que seja como ele: povo. Um sargento que dê as mãos aos filhos e à mulher, e passeie incógnito e desfardado, sem divisas, entre seus irmãos.
 No instante em que o sargento -apesar do grito de perigo e de alerta de sua mulher- salta no fosso das simpáticas e ferozes ariranhas, para salvar da morte o garoto que não era seu, ele está ensinando a este país, de heróis estáticos e fundidos em metal, que todos somos responsáveis pelos espinhos que machucam o couro de todos.
 Esse sargento não é do grupo do cambalacho.
 Esse sargento não pensou se, para ser honesto para consigo mesmo, um cidadão deve ser civil ou militar. Duvido, e faço pouco, que esse pobre sargento morto fez revoluções de bar, na base do uísque e da farolagem, e duvido que em algum instante ele imaginou que apareceria na primeira página dos jornais.
 É apenas um homem que -como disse quando pressentiu as suas últimas quarenta e oito horas, quando pressentiu o roteiro de sua última viagem- não podia permanecer insensível diante de uma criança sem defesa.
 O povo prefere esses heróis: de carne e sangue.
 Mas, como sempre, o herói é reconhecido depois, muito depois. Tarde demais.
 É isso, sargento: nestes tempos cruéis e embotados, a gente não teve o instante de te reconhecer entre o povo. A gente não distinguiu teu rosto na multidão. Éramos irmãos, e só descobrimos isso agora, quando o sangue verte, e quanto te enterramos. O herói e o santo é o que derrama seu sangue. Esse é o preço que deles cobramos.
 Podíamos ter estendido nossas mãos e te arrancando do fosso das ariranhas -como você tirou o menino de catorze anos- mas queríamos que alguém fizesse o gesto de solidariedade em nosso lugar.
 Sempre é assim: o herói e o santo é o que estende as mãos.
 E este é o nosso grande remorso: o de fazer as coisas urgentes e inadiáveis -tarde demais.”



EXIGÊNCIAS DA VIDA MODERNA – LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

“Dizem que todos os dias você deve comer uma maçã por causa do ferro.
E uma banana pelo potássio. E também uma laranja pela vitamina C. Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.
Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água. E uriná-los, o que consome o dobro do tempo.
Todos os dias deve-se tomar um Yakult pelos lactobacilos (que ninguém sabe bem o que é, mas que aos bilhões, ajudam a digestão). Cada dia uma Aspirina, previne infarto. Uma taça de vinho tinto também. Uma de vinho branco estabiliza o sistema nervoso. Um copo de cerveja, para... não lembro bem para o que, mas faz bem. O benefício adicional é que se você tomar tudo isso ao mesmo tempo e tiver um derrame, nem vai perceber.
Todos os dias deve-se comer fibra. Muita, muitíssima fibra. Fibra suficiente para fazer um pulôver.
Você deve fazer entre quatro e seis refeições leves diariamente. E nunca se esqueça de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada. Só para comer, serão cerca de cinco horas do dia...
E não esqueça de escovar os dentes depois de comer. Ou seja, você tem que escovar os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e enquanto tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, escovar a língua e bochechar com Plax. Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre a água, a fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia.
Há que se dormir oito horas por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as cinco comendo são vinte e uma.
Sobram três, desde que você não pegue trânsito. As estatísticas comprovam que assistimos três horas de TV por dia. Menos você, porque todos os dias você vai caminhar ao menos meia hora (por experiência própria, após quinze minutos dê meia volta e comece a voltar, ou a meia hora vira uma).
E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente, o que me faz pensar em quem vai cuidar delas quando eu estiver viajando.
Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as informações.
Ah! E o sexo! Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina. Há que ser criativo, inovador para renovar a sedução. Isso leva tempo - e nem estou falando de sexo tântrico.
Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero que você não tenha um bichinho de estimação. Na minha conta são 29 horas por dia.
A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo tempo! Por exemplo, tomar banho frio com a boca aberta, assim você toma água e escova os dentes. Chame os amigos junto com os seus pais. Beba o vinho, coma a maçã e a banana junto com a sua mulher... na sua cama.
Ainda bem que somos crescidinhos, senão ainda teria um Danoninho e se sobrarem 5 minutos, uma colherada de leite de magnésio.
Agora tenho que ir.
É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da maçã, tenho que ir ao banheiro.
E já que vou, levo um jornal... Tchau!
Viva a vida com bom humor!!!”

27 comentários:

  1. Quanta honra meu amigo João Neto, ter uma avaliação positiva feita por você. Aliás, falta uma sexta crônica que deveria encabeçar essa lista:
    CARBURADORES
    Abraço
    Alcir

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  2. ISSO NAO PRESTA ISSO QUE FEX E FILA DA PUTA

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    1. Não gostou amigo? Pelo seu vocabulário e, também, pelo seu "analfabestismo", certamente não iria gostar... Penso até que os autores dessas crônicas estão pensando: -Melhor assim!!
      Não vou excluir seu comentário ele irá valorizar ainda mais os autores!

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    2. se ferrou trouxa seja lá quem for hahaha

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    3. O comentário do "anônimo trouxa" renderia, certamente, uma boa crônica...

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  3. muito bom as melhores cronicas que já vi

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  4. simplesmentes perfeitas

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  5. cronicas incriveis
    nylton_azevedo

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  6. ahahahah Excelente.. Quanta ironia Veríssimo colocou eu uma única crônica.

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  7. Adorei as cronicas parabens!

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  8. Crônicas lindas , Parabéns !

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  9. Dei umas boas risadas com essa última.

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  10. Belas crônicas. Eu já as conhecia, mas gosto de apreciá-las. Escritores incríveis. Escolha perfeita.

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  11. Simplesmente simples, sinceras, referentes, nostálgicas, excelentes, maravilhosas... *u*

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  13. Utilizarei sua seleção com meus alunos do nono ano em um trabalho que estou desenvolvendo com o tema "crônicas". Obrigado. Muito bom gosto. Já conhecia duas, mas valeu mesmo assim.

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  14. O Padeiro _ Ruben Braga é uma das melhores crônicas que ja li !

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  15. Acrescentaria"O homem nu", de Fernando Sabino". Fantástica!

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  16. SÃO EXCELENTES... ENSINAMENTOS DA VIDA E SOBRE A VIDA

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