sábado, 30 de abril de 2016

FERIDAS


Hoje, quando minha esposa me pediu pra passar na farmácia e trazer um relaxante muscular, lembrei-me de mamãe.

- João, vai até a farmácia e fala pro Seu Lazinho mandar esparadrapo, água oxigenada e metiolate... Leva a caderneta e, na volta, passa no empório do Seu Vitório e pede pra ele marcar dois quilos de arroz e um litro de óleo.

Que saudades do metiolate!

Tá ficando louco, João, diriam vocês: Saudades de um medicamento que ardia mais que fogo???!!!

Lógico que não... Sei que aquele remédio para limpar feridas ardia mais que brasa, é que depois da dor, e da ardência, minha mãe assoprava o machucado.

Aquele sopro era sagrado, aliava a dor física e a dor da alma... Existia um certo prazer quando aparecia algum machucado, a gente gostava do borbulhar da água oxigenada e sabia que lá estava uma santa pra soprar e acariciar nossa dor.

Mas o tempo passou meu caro...

Mudaram a composição e os líquidos cicatrizantes não ardem mais...  Seu Lazinho e Seu Vitório já repousam no andar de cima, minha mãe também fez a viagem definitiva.

As feridas e os machucados da alma, que vamos angariando nesses tempos bicudos, ficaram à mercê do nosso frágil poder de recuperação.

Não tenho mais o sopro antisséptico da minha mãe.

Sigo... Lutando, caindo e levantando, as dores dos machucados rogam aquele sopro que Deus, dadivoso, um dia me deu de presente, e eu, insensível, só percebi depois que ela já tinha ido embora!

A sua benção minha mãe!