quinta-feira, 21 de novembro de 2013

EM BUSCA DA FELICIDADE

Cochilando nem percebi quando o entramos na terra dos pinheirais.

O trem parou na estação daquela cidade pouco antes das três da tarde... Cansados descemos nossa bagagem e, dentro dela, a necessidade de ficarmos ricos! Percebemos em seguida que não tínhamos o que comer!

Minhas vagas lembranças não apagaram as imagens de um cadeirante vendendo bilhetes de loteria e alguns engraxates, todos sujos - todos guerreiros, implorando a oportunidade de brilhar os sapatos de qualquer um.

Papai seguiu, sem rumo, com os irmãos mais velhos à procura de uma casa para morarmos... Esperamos até o aparecer da lua e nos amontoamos num canto escuro daquela estação... 

O chefe do terminal ferroviário, com rispidez, determinou que saíssemos dali... Humildemente mamãe se levantou, ainda com meu irmão caçula dormindo em seus braços... Ela não disse uma palavra sequer, resignada, apenas chorou!

Naquela cidade não nos deram oportunidades, nenhuma... Encontramos apenas miséria e portas fechadas... Ali percebi a necessidade em arranjar uma caixa de engraxate... Ainda que todo sujo, porém guerreiro, era mais que necessária minha entrada no combate!

Penamos quase um ano por ali, ao perceber o logro papai tratou de arrumar nossas tralhas - buscamos o caminho de volta, e o natural caminho de volta seria Santa Cruz, mas o dinheiro só deu pra chegar em Ourinhos, a sempre acolhedora Ourinhos.

Hoje, 46 anos depois, estou aqui, na mesma cidade, operando a subestação de energia do município... Olho para os lados e não vejo o chefe da estação (agora a conversa seria comigo, canalha!), aliás, nem vejo a estação ferroviária, muito menos o vendedor de bilhetes...

Me bate uma vontade enorme de bloquear o religamento automático, acionar o botão “Desligar” para deixar todos no escuro, para que saibam o que é viver sem luz, sem perspectivas e sem horizontes... Lembro-me de mamãe - e abafo essa vingança descabida - ela não faria isto!

Passamos o dia ali, na cidade carrancuda, fazendo trenamento de inversão de fontes, ordem correta das manobras, enfim, um dia proveitoso!

Fecho o portão, ligo o carro e vou embora... Ao dobrar a esquina da antiga estação um engraxate, com um leve sorriso acena, me cumprimentando... Ele, todo sujo – todo guerreiro, espera a oportunidade para brilhar os sapatos de qualquer um! 

Que Deus abençoe todos os moradores daqui, por ora é o que desejo!


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

EU E AS NUVENS

Olhei para o céu e senti uma ponta de provocação das brancas nuvens pairando sobre minha cabeça... Não amarelei, vesti minha roupa antichama, coloquei minha espada isolante ao lado do poste, ergui minha escada extensível, criei coragem e fui para a batalha.

As nuvens, mutantes como ninguém, vez em quando tomavam forma de dragões alados, outras vezes pareciam dinossauros e, durante todo o confronto, passaram por muitas transmutações, por fim se vestiram de brancos arlequins.

Eu estava tenso, preparado para uma batalha terrível, enquanto aqueles flocos multiformes rodeavam no meu entorno... Como numa ciranda, deram as mãos e, em silêncio, apenas olhavam nos meus olhos... Aos poucos me hipnotizaram com um bailado embriagador, surreal, quase um sonho!

Quando soltei as amarras e pisei no degrau em que elas estavam ancoradas, aos poucos e suavemente, se afastaram... Medrosas, foram sumindo, uma a uma, e desintegraram-se naquele céu cruzeirense.

Respirei fundo... Aliviado olhei em volta e percebi, na linha do horizonte, a montanha rindo sem parar, além de algumas ovelhas que pastavam no verde azulado do rio, sem contar as formigas em procissão, pelo caminho do gado, carregando suas clorofilas!

No dia seguinte os jornais publicaram fotos, mas, deram pouca importância aos fatos... Falta de espaço, a prisão dos mensaleiros comeu quase meia página! Os jornalistas, como sempre tendenciosos, afirmaram que as nuvens queriam apenas dançar.

Diante de tanta ameaça, achei por bem, lavrar um boletim de ocorrência! Ainda falei para o escrivão: - Deve haver outras nuvens na terra dos arlequins brancos!

Tempo bom em Santo Antônio da Platina, neste instante os termômetros marcam 29 graus!

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

‘OS DIAS ERAM ASSIM’

Hoje um amigo escreveu a seguinte frase: 'os dias eram assim', em seguida postou uma fotografia de sua juventude, nos anos 70!  Outro amigo, antecipando felicitações natalinas, colou uma linda árvore de Natal...

Voltei aos, meus, anos 70, quando, a total falta de recursos fez com que nossa árvore de Natal fosse montada usando um galho de limoeiro, recortes de jornais e alguns retalhos de tecidos velhos.

Não sei se foi culpa da positividade e simbolismo que as árvores de Natal sugerem... Não sei se as orações ao Menino Jesus foram atendidas. A verdade é que nossas árvores de Natal foram melhorando em aparência e qualidade... A fome não mais sentou em nossa mesa, as ceias natalinas ficaram recheadas de chocolate, panetone e felicidade.

Hoje, anos depois, montarei minha árvore de Natal usando outro galho de limoeiro, simples, sem pisca-piscas, pêndulos coloridos ou guirlandas douradas... Não que faltem recursos, mas, pra lembrar que é necessário que se prove o amargo do suco da vida, para que se de valor às conquistas, à saúde, às amizades e à vontade de vencer.


Apesar das lembranças, o céu escuro não mais habita nossas vidas... Hoje meus momentos são radiantes, e minha árvore de Natal, mesmo que, montada com galho de limoeiro, exala um suave perfume cítrico e nos remetem ao cheiro da renovação e das esperanças!

Feliz Natal!

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

ESCOLAS RURAIS

Hoje, pela manhã, ao executar serviços na rede elétrica, do lado da escola da Fazenda Paraíso, senti falta das crianças que, quando me viam, acenavam e sorriam pelas ventanas das janelas... Estabanadas saíam ao pátio e aprontavam uma verdadeira festa, sem contar o questionário verbal ao qual eu era submetido, mesmo em cima do poste: 

- Você não tem medo de cair?... Por que passarinho não toma choque?... Sua roupa não é muito quente?... Você já levou choque?... Pra que esse monte de cordas? 

Aos olhos daquelas crianças eu era um quase-herói!

Éh, eu havia me esquecido, as escolas rurais do município foram desativadas há muito tempo.

“Especialistas” em educação, através de atas e portarias, julgaram que tais escolas eram “inviáveis”... Talvez a falta de educadores para as localidades rurais, ou, falta de recursos para manutenção das estruturas escolares, ou, sei lá... Desculpas, injustificáveis, é o que não faltaram.

Retiraram as crianças do habitat natural, colocando-as dentro dos ônibus escolares e despejando-as num mundo estranho, a cidade.

Por uma questionável economia, desintegraram o ambiente saudável da relação: pais x professores x comunidades rurais... Um mundo que tinha vida própria, alicerçada no respeito dos pais e dos alunos, para com os professores.

Decretaram o fim do bolo caseiro, dos presentes e das flores ofertadas às professorinhas, e, principalmente, o fim da “carta branca” dada aos educadores: Se fizerem “arte” pode “puxar as orelhas”... Ai da criança que ousasse desrespeitar um mestre, em casa, o “couro” comia! As professoras eram tratadas como criaturas divinas, quase-fadas!

Estudar na cidade, a princípio, parecia uma Disneylândia colorida, mas na verdade, trata-se de um mundo hostil, de desrespeito humano, sem afetividades, exposto à bandidagem e a decadência educacional!

Os pais não levam mais seus filhos, no lombo do burro, ou de carrocinha, para a escola... Não mais se vê as crianças amassando barro rumo à escolinha, nem atirando pedra no riacho e voltando, alegremente, para casa.  “Especialistas” decretaram o fim da inocência, o fim da felicidade!

Hoje, pela manhã, ao executar serviços na rede elétrica, do lado da escola da Fazenda Paraíso, senti falta das crianças brincando... Senti falta de mim...