sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

OLHARES E VULCÕES


Permissivo aceito me queimar com o fogo da minha rainha de paus Então viro o tabuleiro
Minha vez de mexer as pedras
Assumo o comando, mando
Mordo sua jugular em câmera-lenta
Desço montanhas, me escondo em seu umbigo alagado
Suor que embriaga - meio doce, meio sal

Aumenta o calor – fogo intenso
Em queda livre o paraquedas chega à caverna
Pelos pelos experimento seus sais
Beija-flor - beija a flor agridoce
Hora e meia de mel e céu, que céu!

Entrada triunfal!
Meu punhal degusta o calor do suco da fruta vermelha
Carrosséis giram - cavalos flutuam - cidade em chamas
O vulcão borbulha, ferve, treme, explode
Palavras desconexas, dicionário proibido
Uivos, gemidos, fluídos – fluímos

Olhos fechados... Agora... Tatear, tatear
As extremidades digitais arrepiam em seus poros
O mar acalma, o pulso diminui, toada leve
O sol retoma seu eixo
Termômetros assentam à sombra suave
Ainda ofegantes trocamos olhares, só olhares!


domingo, 22 de dezembro de 2013

O CÃO IMPRESTÁVEL

A vizinha da casa da esquina, já com sua mudança em cima do caminhão, bradava com seu vira- latas: 

- Você não vai Duque, seu imprestável! 

Gritou outras palavras ofensivas, atirou algumas pedras, montou no caminhão e partiu... O vira-latas ainda tentou acompanhar o Chevrolet, em disparada, por dois ou três quarteirões, porém, deficiente e encoberto pela poeira desistiu, nem pode ver o caminhão desaparecer quando dobrou a esquina da Avenida Jacinto Sá.

Duque permaneceu ali, imóvel, por alguns segundos, depois retornou cabisbaixo para sua ex casa, já com os portões cadeados.

No dia seguinte, ao voltar do Grupinho, escola em que eu estudava, percebi Duque ainda deitado, recostado no portão cadeado, olhar perdido. Estalei os dedos, ele ergueu as orelhas e abanou o rabo, me acompanhando até meu quintal. Naquele instante troquei um resto de comida e um pouco d’água por uma amizade que perduraria por dez anos!

Que cão fantástico era o Duque – dócil, inteligente, amoroso, companheiro e, apesar de coxo, ligeiro e saltitante.

O cão “imprestável” me esperava todos os dias na frente da escola, me acompanhava nas pescarias e nas caçadas, Duque tinha, além de tudo, sinceridade no olhar, era um grande guardião, apesar de latir pouco.

Além de coxear, e não ter medo de foguetes ou rojões, Duque tinha outras manias e vícios: uivar pra lua, comer abacates e, antes de deitar, costumava dar três voltas no entorno do seu tapete, todas as noites, rigorosamente.

Um cão vegetariano e com transtorno obsessivo compulsivo, só o Duque mesmo!

Num final de um ano qualquer reapareceu por aqui a antiga dona do Duque... Sinceramente não lembro o nome daquela criatura desprezível... Ao notar sua presença, Duque permaneceu estático, deitado em seu tapete, feito a Esfinge, nem latiu nem rosnou, simplesmente descansou a mandíbula sobre a solitária pata dianteira, fechou os olhos e a ignorou!

Infelizmente meu Duque envelheceu, paulatinamente foi perdendo o reflexo e a mobilidade. Por fim Duque só conseguia lamber suas três patas, queria entrar no céu com os pés limpos, acredito!

E numa noite fria de agosto, Duque caminhou até seu tapete, não deu três voltas nem uivou, apenas deitou e descansou.

Ainda hoje, nas noites de lua, ouço seus passos mancos na calçada, abro a janela e vejo apenas sua alma, soberana, guardando meu portão!


segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O DIA DA VITÓRIA

Voltávamos do Virgínia Ramalho (Grupinho) brincando.
Estilingues dependurados no pescoço, embornal a tiracolo, pedras atiradas nos pássaros e nas casinhas de marimbondos... Todos descalços, pés sujos e sem a tampa do dedão - todos ligeiros.

As lições de casa eram respondidas em grupo, na sombra da ingazeira que ali existia, na esquina da Narciso Migliari com a Barão do Rio Branco... Compartilhávamos o mesmo lápis, a mesma borracha, a mesma tabuada, os mesmos sonhos.

Vivíamos uma infância feliz, mas, carente de pão... Ninguém de nós tinha nome, só apelido: Marreco, Carroça, Barbante, Galegão, Beronha.

O sonho? Imaginávamos a chance de tornarmos jogadores de futebol... Talvez jogar no Palmeiras, Corinthians ou União da Barra Funda! 

Ao amanhecer chutamos os sonhos fora, a realidade bateu na nossa porta no exato momento que fizemos nossa carteira de trabalho, mudamos os planos e dependuramos as chuteiras!

Crescemos como crescem os galhos da ingazeira, cada um apontou para um lado... A busca por horizontes separaram nossos caminhos... Seguimos, cada qual com seu estilingue e seu projeto de vida possível. Como as ingazeiras não vergam à qualquer sopro, resistimos aos ventos. 

O dia da minha vitória chegou no instante em que apresentei meu TCC... Com direito à entrada triunfal adentrei o salão de cerimônias sob aplausos, então, olhei para trás e revi o filme da minha vida... o que era sonho virou realidade... Me fiz ganhador... Me percebi invencível!

Hoje, percebo que temos nome e sobrenome, percebo também, nossos pés calçados e aquecidos... Nossos planos de saúde tem até cobertura para tampa de dedão... Sem julgamento de valores, ou da quantidade de bens adquiridos, chegamos à fase da vida em que podemos sentar e rir dos tempos escassos, dos pés sujos e das pombas abatidas à pelotadas!

Frações, equações e logaritmos: Só não entendemos a insistência do professor Matsumoto em ensinar isto, nunca usamos nem vamos usar - temos preferência por ilusões, poesia e batata frita!



terça-feira, 10 de dezembro de 2013

PAPAI NOEL EXISTE?

Fila pra comprar, fila pra pagar, fila pra pegar os presentes, fila pra validar os tickets... Feito gado seguimos em fila, atravessando dezembros.

Os óculos, sem lentes, descansam desalinhados sobre o nariz... Não só os óculos são “de mentirinha”, esse ser escrotal também é... Esperei-o por vários Natais, e esse sujeito fantasiado de vermelho jamais me deixou um presente sequer, uma caneta que fosse!

Neste instante, aqui da fila, o observo percorrendo todos os cantos da loja, com o mesmo sorriso falso, tilintando um sino de mão, sendo conduzido por imaginários antílopes - as renas de quarenta e tantos anos atrás... Ainda traz, além do sorriso inventado, a mesma protuberância abdominal, também postiça!

Você é um todo de mentiras, Papai Noel! Os flocos de neve sobre sua carruagem não passam de chumaços de algodão barato... Esse seu “ho ho ho” me soa insuportável.

Nos bilhetes que lhe escrevi, a grafite, não lhe pedi nada muito caro: bicicleta, tênis importado, autorama ou bola de capotão... Meus pedidos nem eram pra mim... Eu queria, apenas, um panetone, para comer com minha mãe, na noite de Natal... Eu queria um ‘Conga’ que não fosse furado... Você não imagina quantas palmilhas de papelão tive que improvisar para não pisar no chão frio e nas pedras. 

Por tempos evitei dobrar meu tornozelo ao andar, não queria que, ao mostrar a sola do pé, “zuassem” meu Conga furado... Eu andava feito um pato, daí ganhei meu apelido: Marreco!

Seu desprezo pelos engraxates, feito eu, jamais esquecerei, covarde! Essas balas que hoje distribui são as mesmas que me negaste, na porta da Loja Buri, em 1972. No fundo, penso que minha caixa de engraxar era muito pesada para a sua falta de sensibilidade!

E não me venha com esse papo de que não recebeu meus bilhetes... Eternizei a lápis, dentro de minha memória, cada pedido meu, e você, alheio, ignorou.

Não acredito em você, Papai Noel, não passas de uma figura caricata, contratada para vender ilusões aos aristocratas. Você é a mais desprezível figura da gananciosa sociedade.

Ainda bem que seu desprezo não conseguiu apagar de mim o significado do Natal, do nascimento de Jesus, nem me fez perder a fé e a esperança na vida!

- CPF na nota? Pergunta a moça do caixa... Balanço a cabeça negativamente, pego meus pacotes e vou saindo... Na porta o mentiroso me oferece balas, viro o rosto para o lado, e ignoro!


domingo, 8 de dezembro de 2013

SABORES DE UM VERÃO

Perdi muito tempo da vida pensando em ficar rico...

Queria, como eu queria, ser dono da metade do mundo, fumar o cigarro da propaganda mais interessante e radical, ter um super carrão - preferencialmente Mustang, necessariamente vermelho.

Queria roupas das melhores grifes, caríssimos sapatos de verniz, enfim, vestir e exalar Paco Rabanne.

Não juntei metais, nem me tornei playboy... Apesar de vermelho, meu carro não tem o símbolo do cavalo selvagem pregado na grade do radiador... Meus panos, quase todos, trazem consigo um carnê com a inscrição: ‘crediário tentação’... Não que eu use desodorante ‘Avanço’, mas meus cheiros não custam mais que cinquenta reais, não custam!

Perdi muito tempo de minha vida sem a devida atenção nas flores, no voo dos pássaros, no vento soprando no rosto e no lado em que o sol nascia... No balcão de frutas queria a mais cara manzana argentina, sendo que, na estrada havia uma dulcíssima manga-rosa esperando para ser colhida.

Não “ando devagar porque já tive pressa”, feito Almir Sater... Ainda tenho minhas necessidades materiais urgentes, porém, hoje, saboreio melhor meus momentos, curto cada passeio com minha Flávia manga-rosa.

Me tornei mais humilde, não que algum dia tenha sido arrogante, só deixei de dar tanta importância aos endinheirados que se achavam importantes... Educadamente estou na fase de bater continência até para soldado raso!

Fico feliz em saber que minha roupa azul não mais assusta os cães dos consumidores, e pelo abanar do rabo, me admiram, me acham legal!

A fase é de passear sem destino, revisitar minha terra natal, ouvir Creedence, dançar Santa Esmeralda... Compromisso, único, é subir no topo do poste e curtir o sol, despacito, se pondo no horizonte!

Já que descobri o nascer do sol, seguramente, descobri o valor da vida!