domingo, 6 de dezembro de 2015

CONTO DE UM NATAL DE LUZ



Para nós, eletricistas de concessionária de energia, a suspensão de fornecimento, ou corte, como queiram, é a pior das tarefas, momento delicado e tenso onde o respeito ao consumidor é, acima de tudo, fundamental. 

No dia-a-dia nos deparamos com verdadeiras tragédias sociais e dramas familiares, os tais "ossos do ofício"!

Hoje me veio à lembrança um acontecimento marcante ocorrido na semana do Natal do ano passado... Um teste à resiliência da minha alma! Vale lembrar que, pra mim, tarefa dada é tarefa cumprida.

Durante a execução dos “cortes” daquele dia, chego numa casinha de meia-água, humilde,  num bairro da periferia da cidade... Muro baixo sem reboco, portão quebrado e um cachorro magro deitado na varandinha da frente.

Bato as palmas de praxe e ninguém me atende... Ao baixar o disjuntor percebo que a tv, em volume alto, emudece... Simultaneamente abrem-se as ventarolas do vitrô da sala e pelas frestas observo três pares de olhinhos brilhantes.

Pela porta da sala saem três crianças, a maiorzinha, uma menina de uns dez anos, é seguida pelos irmãos menores.

- Você desligou nossa luz, moço? Perguntou a menina, e emendou:

- A gente estava assistindo desenho!

E seguiu questionando:

- Vamos ter que tomar banho na água fria?

Lembram do respeito ao consumidor? Então... Aí quem iniciou os questionamentos fui eu:

- Onde está seu pai ou sua mãe?

- Estão cortando cana pra comprar nossos presentes de Natal! Ponderou e continuou:

- Hoje é sexta-feira, dia do pagamento da semana...  Você não vai deixar a gente passar o Natal sem luz, né moço?

Enquanto eu conversava com a menina, os irmãos observavam calados, comendo pedaços de pão seco... Ato contínuo, religuei o disjuntor e lacrei a caixa de medição, retornando a energia.

Procuro fazer meu trabalho obedecendo as normas da empresa, porém, minha alma ainda não perdeu a ternura.

Tenho consciência que não conseguirei resolver os dramas do mundo, mas, se eu insistisse naquele “corte” penso que estaria aumentando minha coleção de fracassos!

Voltei pra base e contei ao gerente (outra alma bendita) que, imprimiu as contas em atraso e me ajudou na quitação dos débitos (que não era tanto dinheiro assim!).

Pela primeira vez em dez anos não fui ao Correio pegar uma cartinha do “Papai Noel”, os presentes do ano e a Cesta de Natal decidi levar para as crianças dos olhinhos brilhantes (Mariana, Cléber e Jéssica), que por ora queriam, apenas, assistir desenho animado e tomar banho quente.

Um Natal de luz pra todos vocês!!!!!!!