sexta-feira, 31 de agosto de 2012

RUÍNAS


 A velha castanheira, com olhos de piedade, mirava a capela, no mais completo abandono – em ruínas.  

 Foram parceiras por quase toda a vida, cresceram juntas. Quantos casamentos, quantos batizados, quantas vigílias, quantas festas presenciaram?

 A castanheira viu desfilar por ali elegantes senhoras com vestidos de cambraia, que deixavam um suave cheiro de lavanda no ar... Viu senhores com ternos risca-de-giz, e crianças que, alegremente, sob sua sombra, ensaiavam brincadeiras de roda... Viu e sentiu  charretes amarradas ao seu tronco...No mesmo tronco onde casais de namorados tatuaram amor eterno a canivete. 

 Os domingos ficaram para trás!

 Hoje a castanheira não ouve mais o sino anunciando a missa das sete, nem vê os fiéis, aos poucos, se juntando e falando sobre a lavoura, sobre a falta de chuvas e sobre a vida alheia.

 O tempo feliz passou! A lavoura deixou de gerar o pão. Sem apoio, os rurais mudaram-se para a cidade e levaram seus filhos, cavalos, charretes e os ternos risca-de-giz.

 Sem seus fiéis o frei também teve que partir... foi dirimir os pecados de outras comunidades! A castanheira ficou só!

 Vendo a capela em ruínas sente vontade de chorar, mas lhe faltam forças. Tal qual a capela ela também envelheceu – secou! Os cupins sugaram sua seiva e suas folhas caíram. Seu semblante ficou triste, com cara de eterno outono. 

 Deixou de gerar frutos, por conta disso, as maritacas tagarelas e infiéis, também se foram. Nem se lembra do último ninho que abrigou.

 A capela não resistiu às intempéries e a castanheira talvez caia no próximo vendaval. Mas, que diferença isso faz? O sol se apagou há tanto tempo!


terça-feira, 28 de agosto de 2012

SEMENTES


 Minha professora de português me contou, certa vez, a estória de um balconista metido a falar  corretamente a língua mãe. Além disso, gostava de corrigir os colegas. Era um chato de marca maior, tipo: “Vaiii Corinthians”!

 Um sitiante da região, tão simples e modesto quanto endinheirado, chegou ao balcão e pediu-lhe:

- Ocêis tem sementi di mio?

- Não senhor: respondeu o exibido.

- Só temos se-men-te de mi-lho! Completou com aspereza, sílaba por sílaba, feito um sargento de tiro de guerra.

 O matuto baixou a cabeça e, chateado, dirigiu-se à outra  loja de produtos agropecuários. Lá providenciaram seu pedido rapidinho, sem interrogações, muita simpatia e ainda pagaram o frete. Comprou semente de milho suficiente para cobrir vinte e cinco alqueires de terra. Por puro capricho o "sabugo" acabou perdendo a venda! Mania de colocar tarja preta nos humildes.

 O que minha professora quis dizer, na verdade, é que devemos semear o respeito e aceitar a simplicidade, o dialeto e grau de instrução de quem quer que seja.

 Quando entendemos o que o outro está querendo dizer, basta.

 Nós caipiras atropelamos o Aurélio a todo instante e temos a mania de encurtar e emendar palavras, aliás, dificilmente terminamos os vocábulos. 

Preste atenção nessa palavra, que na verdade é uma frase: “quaiscaídendapia”!

Ah, mas o certo não é: “Quase caí dentro da pia”? Sim, mas quem não entendeu o teor da mensagem?

 A linguagem culta além de gramaticalmente correta é elegante e glamourosa. Por falar em "glamour" - quantas palavras estrangeiras inserimos no nosso dia-a-dia? Acabou o mundo por causa disso, brother?

 Respeito às diferenças, inclusive erros de linguagem, essa é a ordem!

 Olha as “palavras” usuais do MSN e facebook: blz, fmz, sussi, ushaushaushauha, podexá, naum, nd de +, etc.. Decifrar a Pedra de Roseta deve ter sido menos penoso. E a molecada ainda entende esses hieróglifos. Ah,  entende!

 Os regionalismos inseridos nos sotaques, a maneira de falar, a cultura - nada disso interfere na comunicação e nem poderia ser diferente.

 Num país onde o órgão genital feminino tem mais de três mil definições lógicas e variadas - tudo pode! Ou vocês pensam que quando me refiro à periquita, pomba e perereca estou falando apenas de aves e anfíbios?

Para um bom entendedor um pingo é letra.

 Agora tenho que ir, pois está chuviscanim e preciso lançar algumas sementes, também!

Fui!!!!!!!!!


sábado, 25 de agosto de 2012

CUMPRIU SUA MISSÃO!


 Quando minha mãe contava as histórias de sua infância, adolescência e juventude inevitavelmente incluía o nome da Tia Luzia. Não sei se eram “unha e carne” como diz o ditado, porém, ficava evidente um grande respeito pela irmã, talvez pelos dias difíceis compartilhados na roça ou, pela marcação cerrada do pai: Zé Biagi.

 Esse respeito que mamãe nutria por Tia Luzia estendeu-se pela vida toda e a proximidade de nossas casas, em Ourinhos, certamente contribuiu para essa afinidade.

 Minha mãe era uma lutadora por natureza, sofredora por contingências, porém, esperançosa por princípios. Numa análise comparativa, penso que Tia Luzia e Dona Conceição beberam da mesma - amarga - água, tropeçaram nas mesmas pedras, choraram o mesmo choro e, possivelmente, vivenciaram as mesmas alegrias.

 Uma coisa é certa: suportar a dor, feito Tia Luzia, ninguém que eu conheça! Não bastasse ter perdido a Nilce, precocemente e tragicamente, ainda teve que suportar, por todos os seus dias, o desaparecimento do Elizeu. 

 Desapareceu com caminhão e tudo. Que fim levou ninguém soube. A incerteza doeu muito mais que a verdade, mesmo que triste fosse.

 Quantas lágrimas, quanto sofrimento, quantas nuvens negras!

 Quantas vezes sonhou ter o filho à mesa, para comer macarrão com molho, no almoço de domingo! Quantas noites perdidas esperando ouvir os passos do filho na calçada abrindo a maçaneta da porta, dizendo:

- Benção mãe - cheguei!

 Se a perda de um filho é um dano irreparável imaginem a ausência, a falta de notícias - o não saber onde está! Ela teve que suportar, ou, fez de conta que suportou para poder tocar a vida e cuidar do marido e filhos. Passou a vida engolindo o choro e sufocando seus gemidos!

 Esperou... esperou...esperou... aquele filho que jamais voltaria – chorou por ele intermináveis lágrimas!

 Hoje são os filhos que choram sua partida, mas, como disse o Odair:

- “Cumpriu sua missão”! E como cumpriu Odair Manzano!

 Ela deve estar sentada ao lado de Deus!  Seus dias de sofrimento lhe renderam uma passagem direto para o paraíso. 

Hoje é uma estrelinha! Para vê-la é só olhar para o céu em noites sem nuvens!


terça-feira, 14 de agosto de 2012

IRMÃS DE ALMA


 Por ser filha única a Flávia, ha algum , adotou o pessoal de casa como se fora seus irmãos. Todos a receberam muito bem e ela acabou por se enturmar, apesar de uma afinidade maior com a Regina.

 Eu nasci de uma família numerosa e a grande quantidade de irmãos, ao contrário do que muitos pensam, nunca gerou brigas ou confusões. Alguns desentendimentos corriqueiros, mas nada que estremecesse as relações ou gerasse afastamentos do tipo: “to de mal”!

 Fiquei pensando como seria se eu fosse filho único. Talvez fosse mais triste - talvez mais alegre - talvez mais simpático - talvez sistemático, enfim, não cheguei a uma conclusão provável ou aceitável. 

 Sempre pergunto para a Flávia como é ser filha única, a resposta é quase sempre a mesma: - Normal! Sinto que a resposta é um normal inacabado, inconcluso. Um normal faltando pedaço!

 Fui mais fundo e perguntei: - Se você tivesse uma irmã, que não fosse nenhuma das minhas, quem você gostaria que fosse? 

 A resposta foi automática: - a Estela!

 Antes que eu perguntasse o porquê ela explicou: - A Estela é: humilde, autêntica, lutadora, corajosa, defende a família com unhas e dentes, é parceira. E o mais importante, completou: Tem sinceridade no olhar!

 Essa resposta fechou suas considerações e eu concordei em número, gênero e grau. E olha que eu nem citei sua dedicação ao José no momento mais crítico de sua saúde. Segurou o rojão sem vacilar e, feito um anjo, foi o alívio para os momentos finais do nosso pai.

 Lembramos que, mesmo não sendo a escolhida para a “cavalgada ao luar”, a Estela não guardou ódio ou ressentimentos e, como gente do coração do bem, levou tudo no bom humor.

 A Flávia insiste em dizer que a Estela é sua irmã de alma, e eu acho que é mesmo!



sábado, 11 de agosto de 2012

O VÔLEI, A INSÔNIA E O FÍGADO DE BOI!


 Ontem à tarde retornei cansado do trabalho. Esse final de inverno e esse zero por cento de umidade relativa do ar teimam em minar minha resistência e ontem, decididamente, eu estava esgotado. Por conta disso, logo ao chegar deitei no tapete da sala, encostei a cabeça numa almofada e vi que passava um jogo de vôlei no canal 6. 

 Não gosto de voleibol, ainda mais dois times “frios” do frio leste europeu, acho um esporte monótono. É um interminável: saca – recebe – levanta – bate, ou melhor: pam - vup - pim e pum. Mas só o fato de não ter que assistir aqueles bispos, de fundo de quintal, operando “milagres” já é um avanço.

 Nunca tive e não tenho insônia, mesmo porque, ando com a vida bem resolvida e quase tudo encaminhado, portanto a falta de sono era injustificável.

 Para ajudar saquei (calma não vou falar de vôlei!), da cabeceira, as Pérolas preciosas do Alcir Chiari e pela quadragésima sétima vez iniciei a leitura do “Olha o Bucheiro”. Eu viajo no tempo quando leio essa crônica, tem muito a ver comigo.

 Eis que escuto o barulho de uma corneta e as batidas das ferraduras de um cavalo contra o calçamento. Olho pela janela e vejo o senhor Ananias abrindo o baú de zinco de sua carroça rodeado por minha mãe Dona Conceição, além da Dona Ondina, Dona Terezinha e Tia Luzia. Elas escolhiam minuciosamente alguns miúdos de boi. Minha mãe comprou dois quilos de fígado e pagou com meia dúzia de moedas douradas. As vizinhas também fizeram suas aquisições.

 Seu Ananias montou na carroça e desceu Rua Brasil abaixo acompanhado por alguns cães e gatos. Ainda dava pra ouvir, ao longe, o apito da corneta e o trotar do cavalo que desaparecia no final da rua quando acordo assustado: o alarme do celular interrompe meu sonho anunciando que era hora de levantar e seguir a vida!

 Olho pela janela, ainda sonolento, e lembro que os personagens se foram a mais de vinte anos. Saio para o trabalho e, em frente à Casa de Carnes Castro, leio em um cartaz escrito à mão: “Promoção do dia - Fígado de boi R$ 6,00 0 kilo!”   

  

domingo, 5 de agosto de 2012

UM INSTANTE NO TEMPO!


 Ataulfo Alves em “Meus Tempos de Criança” cantava a saudade da professorinha que lhe ensinou o beabá, no pequeno município de Miraí, em Minas Gerais, e afirmava no final da canção que era feliz e não sabia.

 Sugestionado, pesquisei e descobri que minha primeira professora, Maria Helena Perin de Britto, ainda morava na cidade onde nasci - Santa Cruz do Rio Pardo, na mesma Santa Cruz do Grupo Escolar Maria Joaquina do Espírito Santo.

 E segui com a Flávia sentido Santa Cruz, não para desenterrar pretéritos, mas para visitar aquela que domou minhas mãos desde os primeiros trêmulos traços até a primeira frase lógica, rabiscada a grafite, no caderno de caligrafia.

 Chegamos ao casarão, onde atualmente reside a professora Maria Helena, logo após o almoço; fazia um sol gostoso, desses sóis de final de inverno, anunciadores da primavera. O mesmo casarão onde nasceu o indigenista Orlando Villas Bôas, mas a história do casarão pouco importava naquele momento.

 Quem nos recepcionou foi uma cadelinha poodle que abanava o rabinho sem parar, em sinal de boas vindas, e pelo também professor José Messias de Britto, um simpático senhor de fartos cabelos brancos, o mesmo José Messias que, nos idos de 67, esperava minha professora na frente do grupo escolar, conduzindo um Ford Taunus, cinza, o mesmo José Messias do qual eu tinha uma pontinha de ciúmes.

 Após as devidas apresentações professor Messias nos convidou para entrar e sentar. Dentro daquele casarão, contrariando minhas previsões, percebemos uma decoração de extremo bom gosto misturando toques orientais nos encostos dos sofás, pinceladas portuguesas nas porcelanas azuis e uma sutil influência francesa nos vitrais multicoloridos da porta de entrada e da varanda nos fundos.

 Eis que aparece a professora Maria Helena! Confesso: Fiquei emocionado! Deus foi generoso demais com ela, mesmo após 45 anos se mantém bela, exuberante e  simpática. Esses 45 anos foram nada mais que: um instante no tempo! O  brilho no olhar é exatamente o mesmo de anteontem!

 Colocamos nossa conversa em dia. Falamos de família, de educação e da educação, de valores humanos e dos retratos na parede. Professor Messias fez questão de me mostrar sua mini oficina para serviços gerais, um luxo! 

 Na mesa do café percebi que se completavam - feitos um para o outro, eu diria. Que casal maravilhoso!

 Ainda houve tempo para o registro do momento em indispensáveis fotos digitais que, certamente, irão para a posteridade que servirão pra relembrar um tempo em que havia fadas !