sábado, 16 de junho de 2012

TODOS IGUAIS



 Após algum tempo, indo de carro diariamente para o trabalho, decidi que a partir daquele dia percorreria os  seis quarteirões a pé mesmo.

 Começou a me fazer bem a caminhada diária. Podia ir tranquilo, além de apreciar os jardins e economizar com o carro, é lógico. Eu havia encontrado, com isso, a receita para diminuir o “stress” diário!

 Numa manhã de primavera, pouco antes das oito da manhã, escuto uma voz esquisita e descompassada, saindo de dentro de uma das casas simples da rua:

- Bom dia moço vai indo trabalhar?

Antes que eu respondesse ele emendou:

- Eu estou indo para a escola, estudo na Apae! Eu sou o Dudu e você?

 Também lhe desejei bom dia e respondi que estava indo ao serviço, que trabalhava na Copel e que me chamava João.

 Era um menino de uns 12 anos, portador da síndrome de Down. Após as apresentações, e de mãos dadas com uma senhora de uns 70 anos, ele seguiu, rumo a Apae, em passos imprecisos e descoordenados, mas, irradiando felicidade.

 No dia seguinte, no mesmo horário, lá estava o Dudu. Quando me viu abriu um largo sorriso e desejou:

- Bom dia João, bom trabalho pra você!

 Eu respondi: - Bom dia e boas aulas pra você Dudu!

 E tudo seguiu durante uns dois anos. Todos os dias o Dudu me esperava pra dizer bom dia. Nesse período estreitamos nossa amizade.

 O Dudu me falava com carinho do lugar que estudava, bem como, da sua professora Dona Odília. A propósito, sempre considerei o pessoal que toca as APAE's entusiastas do bem, verdadeiros "Anjos de Deus"!

 Confesso! Parar para conversar com o Dudu era uma terapia para mim. Um menino com limitações na dicção e coordenação motora dava aula de educação, respeito e amizade.

 Numa dessas manhãs ele, nem bom dia me disse, nervoso, veio direto dizendo que não queria ir mais para a escola...   Não estava conseguindo aprender a tabuada do 2. Combinei que à tarde iria ajudá-lo e que eu não queria que ele deixasse a escola.

 Não precisei mais de meia-hora e pronto, decorou a tabuada do 2, inteirinha, salteada inclusive. Sua avó, Dona Elvira (aquela senhora de 70 anos), agradeceu e contou, sem ressentimentos,  que os pais haviam abandonado o Dudu - ficou para ela cuidar. É meu “companheirinho”, exclamou! Na saída me perguntou se eu gostava de doce...  No dia seguinte lá estava o Dudu, me esperando com um pacotinho cheio de paçoca caseira, feita por Dona Elvira.

 No final do ano Dudu me convidou para ser seu padrinho de formatura. Aceitei de pronto.

 No dia da diplomação fiz questão de entrar de mãos dadas com o Dudu, para receber o certificado das mãos da Dona Odília. O “carinha” não se cabia de tanta alegria, e eu, muito mais que ele!

 Numa segunda-feira, fria e cinzenta, estranhei que ao passar pela casa do Dudu ele não estava no portão para me desejar bom dia. Deve ter perdido a hora ou dormido demais, pensei. Aliás, aquelas brisas de outono sugeriam um sono mais longo além do resgate dos agasalhos e cobertores.

 No meio da tarde, uma vizinha do Dudu, me trouxe a notícia que eu preferiria não ter ouvido. Portador de hipotireoidismo teve problemas respiratórios, e parada cardíaca, no sábado à noite. Faleceu, na madrugada de domingo, num hospital qualquer da fria Curitiba.

 Não fiquei sabendo onde e quando foi sepultado. Ficou para mim a lição daquele menino espetacular, que com toda sua limitação, foi durante muito tempo, o amigo de todas as manhãs - o meu “bom dia”!

 Ainda hoje sinto falta dos nossos "papos" matinais.

 - Acredito que a gente ainda se encontre Eduardo. Vou te ensinar todas as tabuadas (inclusive a do 7 que você tanto temia) e você me ensina suas lições de respeito, humildade e amizade... 

- Perdoe-me se alguma vez o vi como uma pessoa diferente... 

- Era diferente sim, mas diferente para melhor - da alma melhor e do coração melhor... 

- As limitações físicas não existem Eduardo. E o que significa para o coração um cromossomo a mais ou a menos?

- Aos olhos de Deus somos todos iguais, e as amizades sinceras são eternas. O resto é papo furado!



4 comentários:

  1. Esse texto vai sair na FOLHA DE LONDRINA, tenho certeza, é bom demais pra não ser publicado.
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  2. Ao terminar de ler a crônica , chorei de montão .Assim tivéssemos neste mundo de meu Deus tantos joões para fazerem os dudus da vida felizes. Muita sensibilidade meeeeeeeeeesmo ...Continue precisamos de almas como a sua ...

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