sábado, 18 de outubro de 2014

MEUS DISCOS ENVELHECERAM

Ao entrar em casa para meu merecido ‘descanso do guerreiro, o filho caçula e seus amigos de turma do Instituto Federal do Paraná, de Jacarezinho,        estavam esparramados pela sala, todos, sem exceção, com iPhone em punho (ou, sei lá que tipo de celular eles possuem), fones de ouvido nos orifícios auriculares, uniformes da geração: bonés, bermudas e camisetas coloridas... 

Enquanto abro a porta um dos aparelhos repetia um refrão infame: “você não quis? perfeito, sua amiga quis e foi daquele jeito: tapa na cara – na bunda – puxão de cabelo...”!

Ao notarem minha presença, movimento simultâneo, retiram os fones dos ouvidos e cumprimentam em coro:

- Beleza João? 

- Beleza! Imito o gesto fechando a mão - erguendo o polegar.

Antes de me dirigir para o ‘jardim de inverno’, procuro e não encontro o “Rio” do Santana Filho – eu precisava reler a parte dos banhos de rio e dos carneiros errantes... Alguém deve ter emprestado (e não devolvido) pensei.

Não tem tu, vai tu mesmo - diria meu avô, acabei pegando uma de minhas relíquias: um exemplar do Almanaque Capivarol, que ganhei na Farmácia Arruda, no final de 1979.

Abro o almanaque e me deparo com um charlatanismo sincero do xarope patrocinador: “Sonhei com Nossa Senhora e ela me mostrou um vidro de remédio para maleita, minha filha tomou Capivarol e melhorou na hora!”... 

Puta que pariu, essa foi pior que a “música” que a rapaziada ouvia na sala.

Eu nem quis seguir a leitura... Elixires, pílulas, xaropes, receitas de bolo, melhor lua para plantio e pesca, horóscopo e tudo mais, fica pra próxima.

O que essa geração, pós sertanejo universitário, saberia de poesia, de almanaques, de rios - Mário Quintana, goma arábica, fita cassete, camisa volta ao mundo e calça boca de sino?

O que sabem eles de Santana Filho (aquele que escreve palavras estrondosas e garrafais - em caixa baixa), bancas de jornais, barbearias e máquinas de escrever?

O que saberão de Cora Coralina, bola de capotão, de aulas de francês nas sétimas e oitavas séries? Terão conhecimento de Juca-Pirama e indianismo, Guimarães Rosa - Riobaldo e Diadorim, grandes sertões, lambretas e cuba-libre? 

Teriam, mesmo que por engano, ouvido Belchior ou Paulinho Tapajós? Zé Geraldo ou Adriana Calcanhoto? 

Como mostrar meus discos envelhecidos para os clientes do McDonald’s que, por hora, curtem Fernando e Sorocaba (affff!!!) na sala?

Retiro meu coturno, descalço minhas meias, estico minhas pernas sobre a namoradeira e, ainda vestindo antichama, antes de fechar meus olhos, avisto um dos estudantes tecnológicos, ao lado das violetas na janela que confessa estar lendo o livrinho azul subtraído da minha estante.

Neste instante um incontido contentamento toma conta de mim, e eu, sonhador e conhecedor do “Rio” e livros azuis, sou notificado que nem tudo está perdido... Fecho os olhos e, alegre, mergulho num cochilo:

Tchibum!!!!!

7 comentários:

  1. Afluentes do mesmo rio sempre se encontram, poeta. Forte abraço.

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  2. lindo lindo lindo, Marreco - presente e passado numa poesia só! Abraços

    Minucci

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  3. Passado, presente e futuro andam de mãos dadas, meu cronista favorito! e num encontro de gerações, possivelmente há conflitos, e esses mesmos jovens que você os descreve, sentiram saudades da sua juventude, como nós sentimos da nossa. O importante nessa poesia é que você citou Mário Quintana, que escreveu o poema:- "O Tempo", leia ou escute, pois parece que foi escrito pra você e sei que vai gostar.Te amo. Beijão _ Dóris

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  4. Onde digo - sentiram, digo:- sentirão.Desculpe meu erro e aceite minha errata. Beijo. Dóris

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  5. Mudam-se os tempos mudam-se as vontades já dizia Camões .João quer queira ou não a realidade é essa mas os poetas surgem mais fortes que dantes porque tem a sensibilidade testada no cadinho do "modernismo"Você é um deles,amigo.

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  6. Escrever é fácil.
    Difícil é achar as palavras certas.
    Você consegue.

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  7. Lindo como sempre! que DEUS conserve essa capacidade de por seus pensamentos no papel, não é pra qualquer um. Parabéns!

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