quinta-feira, 20 de junho de 2013

RETROVISORES

Levei um susto quando, ao esperar o portão eletrônico abrir, um andarilho bate na janela do carro e implora por uma moeda de real... Fiquei em dúvida se aquilo era um homem vestindo farrapos ou farrapos vestindo uma nova espécie de primata... O odor denunciava seculares falta de banho, mas o olhar não era estranho para mim... Estava ali, na minha frente, ele mesmo: Pedro Paulo, um colega de classe, nos tempos do colegial! 

Ele não me reconheceu e fiz de conta, apesar de assustado, nunca tê-lo visto.

Em que parte da estrada teria se perdido? 

Fácil imaginar... Passou a vida debruçado sobre a influência e status do pai, então delegado "calça-curta" da cidade... A fonte deve ter secado... 

E onde estaria o carrão do ano, que ostentava com apenas 17 anos de idade? Carrão que sugestionou seu apelido: Pedrinho Maverick! Um Ford Maverick, branco, pneus tala larga, volante Phanter e toca-fitas Roadstar auto-reverse! Morríamos de inveja... Mas suas coisas, alimentavam nossa ilusão estudantil, no fundo queríamos ser como ele!

Agora está aqui, verdadeira tragédia social, de joelhos, implorando migalhas, enquanto abro a porta do carro.

Não usa mais calça Lee, jaqueta de couro, tênis Rainha... O Stiletto deu lugar a esse fedor que agora emana... Triste decadência de um playboy que, por vezes, pelo retrovisor nos olhava com alardeado desdém... Nós, simples miseráveis!

Reflito e concluo que não é hora de questionar antigas ostentações... Está aqui, deplorável, um sujeito que desceu do Maverick e entrou na garrafa de Jhonnie Walker que trazia no porta-luvas.

Do whiski importado, desceu para o último patamar... Nem para a pinga mais barata, disponível nos botecos, tem recursos...

Me identifico, ele baixa a cabeça e, envergonhado, vira-se para partir... Não permito, sem antes entregar-lhe 50 reais... Naquele instante eu devolvia-lhe o dinheiro que pagou para ter seu nome incluso nos meus trabalhos escolares, trabalhos que o desocupado não contribuiu com uma vírgula sequer, e eu, levianamente - pela necessidade - aceitei!


Eu ficaria feliz se, com esses 50, ele comprasse a passagem de volta para dentro de si, e quem sabe, para a vida!

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