domingo, 5 de janeiro de 2014

NOTÍCIAS DE SANTA CRUZ

Não lembro bem, mas era maio, ou abril, do ano de 1921... Os ventos de outono varriam algumas folhas secas, no entorno da plataforma de embarque, da recém-inaugurada estação ferroviária de Santa Cruz do Rio Pardo... Eu, atento, observava aquele movimento com olhar surpreso.

Talvez, aquela alternativa de transporte, criada para escoamento da produção do “ouro verde”, trouxesse o desenvolvimento para este canto do Estado paulista.

Continuei ali, com meu impecável terno de linho branco e chapéu Prada, esperando ouvir o primeiro apito do trem sorocabano deslizando pelos trilhos santacruzenses.

Os charreteiros em fila, não menos ansiosos, aguardavam os passageiros para transportar suas bagagens, ou, alguma cafetina paulistana, disposta a iniciar atividade na cidade joia, trazendo consigo uma meia dúzia de damas da noite.

As autoridades presentes se acotovelavam diante dos trilhos, ainda cheirando tinta: Coronel e Prefeito Antônio Evangelista da Silva (Tonico Lista), “Pharmaceutico” João B. Martins, Oficial de Justiça Ataliba Santos Baptista, “Collector” de impostos Manoel Novaes Cortez, Dr. Jonathas Bonfim, Pároco Nelson Luiz, entre outros.

Eu não podia perder aquele evento grandioso, mas, não tirava os olhos do, interessantíssimo, jornal “Cidade de Santa Cruz”, mesmo sendo distraído, às vezes, pela matraca do vendedor de bijus e por um ébrio que insistia em chamar as charretes, ali estacionadas, de “balaio de putas”!

O jornal continha as mais variadas publicações, desde anúncio de vermífugos milagrosos, e antipesos no estômago, até editais de proclamas, casamentos, intrigas e, pasmem, uma proposta de troca de 3740 metros quadrados na Saúde, em São Paulo, por uma chácara em Santa Cruz (esta proposta, hoje indecorosa, dava a medida exata do valor, de então, das terras santacruzenses!).

Até me esqueci da inauguração das atividades ferroviárias quando li uma “declaração de acerto de contas”, na qual, um tal Dorvalino, cabra honesto toda vida, que, diante da dúvida do patrão, não hesitou em pedir demissão, além de publicar os números de uma venda de gado e assumir, inclusive, o ônus de valores recebidos antecipadamente.

Cansei de esperar o trem, fechei o jornal e fui embora deixando pra trás aquela muvuca... Nem dei conta quando a menina, de vestido de cambraia amarelo, que me lançava olhares fatais, foi embora a bordo de um “balaio de putas”... Deixou apenas seu perfume de lavanda  e, desapareceu junto com o barulho das ferraduras batendo nos paralelepípedos. 


Um comentário:

  1. Marreco,

    Terno de linho e chapéu Prada, só em 1920 mesmo! Gostei dessa viagem no tempo!

    Minucci

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