segunda-feira, 17 de setembro de 2012

OS DONOS DA BOLA


 Enquanto os escravos de Jó jogavam caxangá, nós, que éramos pobres de “marré deci” jogávamos futsal na quadra de esportes da Cadeia Pública de Ourinhos que, graciosamente, o carcereiro, Carlão “Peru” nos cedia.

 Vocês podem até perguntar: 

- Então era só pegar a bola e ir para a quadra? 

 Puro engano caros futebolistas, nada disso - não tínhamos bola, esse era o drama!

 A saída era convidar a família do Maurílio para jogar conosco, pois, em toda Vila Barra Funda eram os únicos que tinham a “mardita” bola.

 O Maurílio e seus irmãos eram dotados de uma particularidade: tinham os narizes maiores que a própria cara, e ainda por cima, curvilíneos. O código genético da protuberância nasal dos irmãos era, rigorosamente, a mesma.  

 Em resumo: era um mais feio que o outro. Esses dotes familiares nos levou a apelidá-los de tucanada; sendo Maurílio o Tucanão, o irmão do meio Tucano e os dois menores eram os Tucaninhos.

 O outro problema era a ruindade, pensa numa molecada ruim de bola, perna de pau mesmo!

 No momento da escolha dos times (sempre no par ou ímpar), se caísse algum dos tucanos do nosso lado era uma lamentação só.  Para não correr riscos, o Arnaldo, meu irmão mais novo, propôs em certa ocasião, que jogássemos família contra família. Ufa! Que beleza, a tucanada topou na hora!

 Jogamos cerca de dois minutos, fizemos um gol, e não querendo que o placar ficasse elástico, começamos a tocar a bola, pra lá e pra cá. Foram uns cinco minutos assim - bola de pé em pé. O tucanão ficou nervoso, enfurecido eu diria, mandou todo mundo tomar "caju", enfiou a bola debaixo do braço e nunca mais jogou conosco.

 Vendo o time do Barcelona, hoje, com uma média de 70% de posse de bola em seus jogos – tocando de pé em pé e pra lá e pra cá – chega ser irritante, insuportável até. Sou obrigado a me reportar ao Tucanão e dizer sem ressentimentos:

- Você estava mais que certo Maurílio! Desculpa aí, foi mal!

2 comentários:

  1. crõnica deliciosa de excelente fluência de linguajar fácil e retrata bem o valor de uma bola para meninos de periferia .
    Continue amigo...

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  2. Adorável Donalou! Um elogio partindo da Deusa das letras, Professora Luzia, é como alcançar medalha de ouro numa Olimpíada!
    Ganhei o dia, a semana, o mês, sei lá, ganhei vida!

    Beijos
    João Neto

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